O Montijo é um retrato deprimente do país real que tanto percorri nestas férias, do Alentejo aos Açores, das Beiras ao Norte,... A sua única diferença é que fica ao lado de Lisboa, separado pelo rio dando-lhe um colorido suburbano mal-parido. Mal-parido porque demora-se meia-hora para chegar à outra margem de barco, e depois de se lá chegar ainda é preciso apanhar um autocarro para o centro! Os horários são rídiculos (quase não há barcos se formos bem a ver!) e um bilhete é caro, não esquecendo que ainda temos de pagar mais um, o de autocarro! Tudo isto cria uma terra em que apesar de ter um pé à cultura urbana acaba por meté-lo na água graças a este isolamento estranho.
A terrinha também é nula em pontos turísticos o que faz que não haja nada atraente ir lá visitar a não ser a barbárie das touradas ou a discoteca xunga Kaxaça cujo ex-libris é ter o DJ Pete Tha Zouk a altos berros a ouvir-se por toda a cidade. Pergunto-me como as pessoas toleram esta barulheira à noite mas considerando que nesta cidade também cheira a merda de porco de vez enquando... A FEIA como já perceberam é um oásis cultural, ou antes, uma pérola a porcos! Caramba, até o Barreiro que tinha as descargas industrais brutais deixou de ser uma cidade agreste, aliás muito antes pelo contrário, a julgar pelas exposições de ilustração ou os festivais de música que têm lá acontecido - o Out.Fest, por exemplo!
Voltando à coisa, a FEIA foi porreira mas foi uma grande seca porque a dada altura uma banda local - os Satguru - armaram-se em super-stars, fazendo aquele clássico idiota dos concertos, ou seja, o que 'tá marcado de horas para começar a tocar é muito pouco importante porque a banda foi jantar! Chegaram tarde, tocaram balofadas dignas de Supertramp ou Dave Mathews Band, e graças a isso queimaram tempo de actuação da outra banda (os simpáticos mas mediocres garageiros Invaders from Verdelha) e do casal fixe de DJs. Creio que este é o tal espírito de querer ser urbano sem se viver a urbanidade, onde humildade, DIY e cooperação são facilmente trocados pelo espírito agrário e ruralidade.
Apesar da canseira de aturar isto e outros cromos, ao nível de música adquirida neste fim-de-semana foi bastante produtivo - muito graças a essa confusão mental dos próprios habitantes da cidade. Por exemplo, aos Sábados de manhã (acho que não são todos - é ao segundo portanto?) há uma "feira da ladra" no centro da cidade, que não é exploratória como a de Lisboa nem lixo-infinito como a Vandoma (Porto). Por isso, sem querer pode-se arranjar curiosidades a preços parvos. Por exemplo, comprei três CDs por um euro apenas! Entre eles o clássico The Bleeeding (Metal Blade; 1994) dos Cannibal Corpse que já tinha mas sem capa ou caixa... E quando mundo não podia ser mais estranho, aparece o Godkiller com The End of the world (Wounded Love; 1998), um CD de um metaleiro de Monaco!? Yup! Deve ser o único na cidade de aristocracia paneleira e o som soa a isso mesmo, Goth Metal, pós-Black Metal, Doom e uso de electrónica porque (mais uma vez) deve ser o único metaleiro da cidade. O CD entretanto vale bastante mais que um terço de um Euro, aliás, 100 vezes mais. A música é que não!
E ainda neste molho, um CD duplo de Gabber, ou se preferirem o Techno prós metaleiros se a primeira abordagem ainda não fosse tão má. Industrial Strengh (Earache; 1995) é uma compilação feita por Leenie Dee para a editora que editava o Metal mais extremo do planeta (Napalm Death, Godflesh,...), longe do que viria a ser isto (clicar link) embora o DJ Skinhead já samplava Pantera com as batidas bestas Techno. Chato passado um bocado, não admira que esta música tenha mesmo de ser consumida com drogas.
Ao nível do vinil - a um euro cada - arranjei um LP dos Traffic ao vivo, Welcome to the canteen (Island / ed. pt Dacapo; 1971) que só têm piada porque o nome da banda não aparece mas sim os dos elementos da banda, e um dos concertos foi de um "benefit" à revista Oz, publicação underground que na altura teve sérios problemas com a Censura na terrinha puritana britânica. Rock psicadélico simpático dos anos 70 que não aquece nem arrefece. "São os Led Zeppelin?" perguntou a minha mulher. Eu perdou-lhe a simples heresia porque ela é do Montijo... E até porque estou demasiado feliz por ter encontrado este disco:
You Shouldn't-Nuf Bit Fish (Capitol; 1983) de George Clinton é o que se pode esperar da cabeça por detrás dos Parliament / Funkadelic: P-Funk a rodos, Rock no meio e algumas bocas ao Rap ao lado para acompanhar os tempos... Mas o que me fez mesmo comprar isto foi a capa de Pedro Bell, grafista das bandas citadas e que criou um imaginário Black urbano dos EUA desde os anos 70. O disco até podia estar todo riscado (por acaso não!) e ser uma treta (é um bocado) que ainda assim levaria esta capa cheia de informação, cor e BDs maradas!
A seguir vamos para outro de psicopatologia montejinense através da aquisição do melhor do lote: Brian Eno e David Byrne e a sua obra-prima: My life in the bush of ghost (Sire; 1981). Disco de catalogação difícil ainda nos dias de hoje, em que os dois cromos juntaram peças encontradas - samples, na altura nem se dizia desta forma aposto - e tocaram por cima criando uma ponte entre o Funk branco, world music e electrónica - a pensar que o tema Hizbollah dos Ministry era algo de inédito, quando o que não falta aqui são arabescos sacados com instrumentações dos cromos por cima... Já tinha ouvido falar muito deste disco, da última vez, foi o autor de BD Diniz Conefrey para explicar como foi a sua influência para fazer a BD de colagens Avés Marias Rap (Lx Comics #2, 1990). Vale todo o dinheiro do mundo!
Mas perco-me a falar de música... O disco foi comprado na banca do Hey Joe! que estava lá na FEIA. O que dizer do Hey Joe? Era um bar de metaleiros que o dono expulsou passando sempre os mesmos temas dos Stone Roses e dos Sonic Youth. Pretendia nesta acção de terorismo sonoro ser um bar com loja de discos e livros mas passado poucos meses já não se percebia o que era os discos do dono ou os que eram para venda. A degradação do negócio tornou-se tal que pelos vistos o dono quis despachar tudo a 5 euros cada vinil. Ah! E os metaleiros voltaram lá a beber copos e muitas vezes como DJs... Aproveitei para comprar também um dos Nitzer Ebb já agora, o Belief (Mute; 1989), segundo LP desta banda britânica de EBM que varia entre temas fortes, excelentes para pista de dança, e temas a roçar a foleirada. Não têm os grandes temas da banda que acho que serão do terceiro disco mas percebe-se que andam a dar passos para lá!
Neste disco usa todos os clichés que fizeram a fase "étnica" dos Sepultura, neste caso umas batucadas sem piada com Riffs de guitarrada Nu Metal por cima. Uma porra. Onde o CD começa a ser bom, e porque é um CD com extras, é a partir do final do disco "normal" com os temas de Soufly III (instrumental psicadélico porreiro), Sangue de Bairro (versão de Chico Science & Nação Zumbi) e Zumbi (outro instrumental a lembrar quase o minimalismo de Terry Riley)... Ou seja as últimas três faixas do disco, seguido pelos extras I Will Refuse (versão dos Pailhead, banda punk-industrial com elementos de Ministry e o emblemático Ian Mackaye) e Under the Sun (outra versão! dos mestres Black Sabbath).
É incrível como um tipo que pregava o chifrudo e assuntos espirituais (!) acabou por se transformar num merdas conservador do tipo mais básico: Deus (o álbum é dedicado a esse ser abstracto), Família (todo o "espiritismo" é pespectivado segundo as frustrações das mortes e sofrimentos da sua família, e para não dizer que o actual baterista da banda é o seu filho Zyon) e Pátria (Max vive nos EUA e dedica um minuto de silêncio às vítimas do 11 de Setembro).
A evitar portanto, talvez seja por isso que em todas as mesas da feira da ladra do Montijo se encontrava um disco da banda, aliás, na FEIA só o David tinha duas versões nem ele sabia como... Ainda bem que me deu a escolher e optei pela versão especial! Os metaleiros não são nada parvos em despacharem-se disto.