quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

I put a spell on you...



Natacha Atlas & The Mazeeka Ensemble : Ana hina (World Village / Harmonia Mundi; 2008)

No Domingo passado, passou uma grande dama da World Music! E a sala, aliás Grande Auditório - com um cheiro estranho - da Calouste Gulbenkian estava cheia de velhinhos, tias e gajas freak-chics que frequentam workshops de dança do ventre, suspeito. A senhora, que dizia há alguns anos que era uma "faixa de Gaza humana", dada às suas misturas étnicas (filha de sangues árabes, judeu, europeu, etc...) merece realmente ser recebida de sala cheia! Atlas incorpora tantas "geo-músicas" na sua discografia com momentos ABSOLUTAMENTE geniais como a sua versão I put a spell on you, que mostra que é o exemplo vivo de a Humanidade só sobrevive e evolue se for mestiça.
Este penúltimo álbum de Atlas frequenta o lado hispánico da música árabe (não nos podemos esquecer que os árabes tiveram colónias na Península Ibérica até aos século XV), algum Jazz de Diva cota e uma procura por Om Kalsoum, Farid Al-Trash, Fairuz e Abdel Halim Hafez - os dois últimos foram feitas três versões neste disco. A Electrónica parece ter sido erradicada nas últimas gravações de Atlas, ficando tudo ao calor do instrumento acústico. Felizmente que em estúdio a música funciona ao contrário ao vivo que pareceu-me xoninhas, pouco coeso e artificial para agradar caucasianos burgueses a caminho do Centro de Dia. Um perigo constante que a "world music" assiste, o de transformar música viva e expressiva de rua em música de câmara para os corpos mortos dos caucasianos. Atlas tem feito tanta operação plástica (para quem têm quase 50 anos a cara dela insiste em ser o de uma boneca de 20) que se deixar passar essas operações para a música, ela ainda se torna é numa faixa de gaze humana...

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Industrial é quando um homem quer...


Public Enemy : Fear of a Black Planet (Def Jam / Columbia; 1990)
Throbbing Gristle : 20 Jazz Funk Greats (Industrial / The Grey Area / Mute ; 1991)

O Camarada Fom Fom ofereceu o LP dos Public e o CD dos Gristle como prenda de Natal há duas semanas... é assim mesmo, o Natal é quando um homem quer!
Belas prendas, estes terceiros álbuns destas importantes bandas. 20 Jazz Funk Greats é de 1979 com uns Throbbling Gristle menos "agressivos" - embora esta reedição tenha dois temas extras de "industrial marcial" - e mais Electro, quase a dar um passo para Psychic TV. O melhor ainda assim é a capa que simula o imaginário de "Pop/Rock campestre" dos anos 60 com os elementos da banda vestidos como gente normal numa paisagem verdejante, a ironia é que a localização era um dos spots da Grã-Bretanha onde se concretizavam o maior número de suicídios. Os TG cunharam o termo Industrial à nova música realizada por uma geração que gozava de novas formas de tecnologia para criar e difundir música, uma Era da Informação que em poucas décadas daria na Era do Digital. O termo musical relacionava-se com a ideia da Revolução Industrial, em que óbviamente a relação do "homem-músico" com as máquinas iria mudar, tal como a partir do século XVIII a vida do Homem iria mudar para sempre. 
Apontemos à Revolução Industrial a poluição e ruído, o consumismo frenético, o aumento da área produtiva dos serviços, não-especialização da mão-de-obra, a urbanização / abandono dos campos, a miséria e explosão demográfica, o aumento da velocidade dos transportes, o capitalismo moderno, a difusão de ideias democráticas e sociais, nacionalismo e militarização, etc... Na música pós-punk e pós-Industrial - impossíveis de os separar porque partilham o mesmo momento histórico e os modelos de produção - também iremos encontrar mudanças idênticas na música: uso do ruído das máquinas e processos mecânicos (concretos), consumo excessivo facilitado com a oferta de auto-edição e edição independente, produção e disseminação de música através de tecnologia caseira (o gravador de k7, o estúdio caseiro e o movimento tape-trading), aumento de artistas não-músicos (sem qualificações académicos ou formação), invenção de instrumentos e o uso de objectos como instrumentos (como o gira-discos), auto-gestão, fetichização por objectos de culto (edições limitadas), segmentação dos públicos (tribos urbanas, subculturas, elitismo), ritmos maquinais (techno), o sampling, a remix e o mash-up,... 
Ouvindo este álbum dos Publico Enemy - considerado a sua obra-prima e umas das obra-primas do Hip Hop - também não deixo de pensar que há algo de "Industrial" na sua essência - aliás, não é a primeira vez que faço essa analogia -  pelo facto de haver tipos com uniformes e símbolos militares no universo imagético da banda, discurso público, uso de samplagem de mass-media (música Pop, rádio, TV), uma preferência do trabalho de estúdio e conceptual que não passa necessáriamente pela execução por músicos formais, caos sonoro desbravando terrenos novos no mundo dos sons e o escândalo que causa aos moralistas de sempre.
De resto,  este é um disco que se aproximaria do fim da "Era de Ouro" do Hip Hop porque nos próximos tempos este tipo de música seria perseguida pela ganância das editoras para o pagamento de "royalties" de samples usados. Por volta de 1992, ou o pessoal era rico, como o beto do Beck, para conseguir licenças dos excertos samplados ou então estava sujeito a multas e destruição do trabalho - embora tenham sido os brancos John Oswald e Negativland que sofreram mais com estas perseguições. Daí a maioria do  Hip Hop tornar-se-á pobre sónicamente falando. Basta ouvir um pedaço deste disco e sente-se imediatamente o excesso de informação sonora (dezenas de samples), para além de uma velocidade louca, coisa que não se sentia nos dois discos. Estes eram mais brutos e ruidosos, quase tão marciais como o Industrial clássico de uns TG.

sábado, 11 de fevereiro de 2012

mini-entrevista para o MAB

1- O que te fez entrar na indústria de BD em geral?
???? que indústria? que pergunta manhosa... se queria ir prá indústria tanto podia ir para a banca, como aliás, o meu curso superior me estava a levar - Gestão de Empresas... Trabalho na bd porque sempre gostei de banda desenhada e fui levado por ela com o acumular de tarefas tão diferentes como bibliotecário, fornecedor de conteúdos, editor, autor, formador, organizador de eventos, curador, argumentista, etc... Também não distingo o que é obrigação e o que é prazer, quase tudo o que faço no dia-a-dia liga-se a questões sobre bd - nem que seja porque faço bd autobiográfica.

2 -Quais são as técnicas que utilizas para fazeres os teus livros?
Como autor? papel e caneta, photoshop para emendar erros e preencher fundos pretos... e concentração, a parte mais complicada quando se está a pensar sempre em facturas de lojas que não pagam, gráficas que se atrasam a entregar livros, gajos que não respondem a e-mails urgentes, etc...
Como editor: o livro tem de ficar mais próximo do que o autor quer que fique ou que faça sentido para a sua obra...

3 - Quais são os tipos de livros que mais gostas?
Livros que nos façam descobrir sensações e conhecimentos: Julius Évola, Celine, Phillip K. Dick, Thomas Bernhard, Daniel Clowes, Alan Moore, Chester Brown, Grant Morrison, Janus, Ana Cortesão, Rafael Dionísio, Rui Eduardo Paes, Joe Sacco, Fredox - o qual fiquei com os "olhos a vomitar" (lema do Le Dernier Cri) - , Anke Feuchtenberger, André Lemos, Igor Hofbauer, Tommi Musturi, Stud Mead, Joe Coleman,...

4 - Já visitaste alguma vez o Porto?
Claro que já fui aí vezes sem conta!!! A primeira saída de casa prá fim-de-semana louco e teenager sem controlo paternal foi para o Porto! Sempre que podia ia ao Porto, a desculpa mais vulgar era a visita ao saudoso Salão de BD do Porto (1993-2001), agora, qualquer desculpa serve... é a minha cidade favorita!!! Lisboa é uma "barceloneta" da treta!

domingo, 5 de fevereiro de 2012

Javardo Suomi Rock


Räjäyttäjät : Räjäyttäjät räjäyttää! (TNT + Bad Vugum/BV2; 2011)

Um amigo meu ligado á cena Free / Improv disse-me uma vez que a Finlândia é o país escândinavo mais fraco no que diz respeito à música. Estranho, sempre tive a impressão completamente oposta a isso. Complementando melhor a "acusação" percebi que deveria haver com virtuosismo. Bom, se calhar é mesmo isso que faz a diferença... Talvez seja verdade que não haja cromos de músicos como da Noruega ou Suécia mas é inegável que "loucura" e "experimentação" é algo que a Finlândia bate aos seus pares. E estes Rajayttajat (faltam os tremas bem sei mas é uma chatice metê-los) são o exemplo disso. Considerada a "melhor" banda da Finlândia do momento, não passa de um trio rocker-garageiro-javardeiro que cantam/ berram no Suomi desconhecido - por mim, as letras até podem estar a dar a receita de fazer brigadeiros. A energia e sujeira é total que nunca poderíamos meter no mesmo saco dos betos-suecos vizinhos Hives, por exemplo. É displicente como tocam o que já se ouviu milhares de vezes mas pelos vistos até já fez resurgir a editora Bad Vugum do seu limbo editorial. Um fenómeno local de um país cuja costela russa fode o calculismo sueco.
Kiitos Tommi!