sexta-feira, 9 de setembro de 2022

CIA info 92.4


Detalhe de uma BD work-in-progress para um fanzine sobre Cinema, a editar pela Matilde Feitor. O zine chama-se Fora de Campo e já recebi a minha cópia. Em breve darei mais informações onde encontrar este "retrozine"...

Lançamento é dia 13 de Setembro no Espaço Corrente, em Arroios.

Fizeram-se 50 exemplares e custa 5 paus.

domingo, 4 de setembro de 2022

"Esta gaja vai ser grande!"


Lembro-me perfeitamente do Ghuna X no Porto dizer isto, enquanto estávamos no seu quarto acabadinhos de chegar de Lisboa e loucos por conversa-fiada. Creio que o Rudolfo também lá estava e mostrou-nos o Allen Halloween. Isto há mais de 10 anos. O Ghuna tinha razão, a Lana Del Rey ficou gigante - até há um video que ela brinca com o filme Attack of the 50 Foot Woman. De resto, ela é especialista em manipular nostalgia, prevendo todo mal-estar da cultura ocidental virada para o passado, la malaise dos filtros retro do Instagram e o bloqueio intelectual do "fim do capitalismo mas hoje não convém". 

Quando digo aos meus amigos que 'tou a curtir o(s) seu(s) disco(s) - tenho uma edição especial do Born To Die com um outro, Paradise, ambos de 2012 - mandam umas bocas que a gaja é "normie", vulgar, com uma carga patriota e não sei o quê. Se vivesse nos EUA, é certo que falaria dessa grande "terra da liberdade" embora eu acho que quem mais fala dos seus países até são os portugueses e os finlandeses, pela minha experiência e restringindo-me ao "Ocidente". Quanto a ela ser "normie" parece que é já um crime de lesa-majestade (ó doce ironia, tão doce como a sua música) ser "hetero" quando paradoxalmente até é na "queerness" de centenas de "Pop stars" (ou pretendentes a tal) que tenho insistido ouvir à procura de Pop fixe, que vejo a maior das vulgaridades. Batalhões de gajos e gajas com mil tatuagens, piercings, hiper-sexualidade (hetero ou não), uso de vocoder/ auto-tune ad nauseam, os mesmos ritmos reggaeton / "batida" / trap, em que há um esforço enorme para se ter uma personalidade para depois a montanha parir um ratinho ou ratinha, todos iguais da mesma ninhada.

A Lana é esperta como uma raposa, imaginativa e pós-moderna. Se parece que beija à Twin Peaks, a boca sabe a dream-teen-pop  dos 90's (seja pelo comércio Belinda Carlisle, seja pelas "indies" Belly ou Mazzy Star), a língua tem Kate Bush (entretanto recuperada prá fama devido a uma série de TV para crianças ao que parece) e a saliva tem o seu próprio ADN como boa gestora que é. A música flutua nos sonhos de um Pop elegante que recusa ter um ritmo dançante da moda, no entanto temas como This is what makes us girls tem uma intensidade que faz mexer o corpo de forma quase misteriosa. As letras sim são de amorzinhos "hetero" mas parecem que até  falam de relações de abuso - mas é dúbio... Pergunta pertinente, a Pop diz mesmo mensagens certas e objectivas? 

A melhor geralmente não, é ambígua, seja porque o emissor pode não ser claro na sua lírica seja porque o receptor inventa ou interpreta o que quer, conforme se está alegre ou tristonho. Na realidade, este nunca escuta uma letra do principio ao fim, apanha um refrão e apropria-se aos seus desejos e receios do momento, passado anos até poderá pensar de forma diferente. Um exemplo parvo é a interpretação de um dos Cães Danados sobre o significado do Like a Virgin da Madonna. Por isso pouco importa se Summertime Sadness é sobre o "break-up" juvenil no Verão, ou o suicídio do namorado da Lana. A ambiguidade das suas letras confunde-se com a condição eternamente trágica das mulheres na sociedade  com uma tradição tão longínqua até à Billie Holiday - apesar das diferenças de uma mulher negra dos anos 30 com uma pita burguesa branca do século XXI.

Fruto da web.2 e o fenómeno do vídeo-viral como impulsionador de carreiras mediáticas - olha Die Antwoord - o sucesso de Lana coincide com o falso-kennedismo do Obama, época de optimismo e de  imobilidade intelectual, onde o que vai estar em alta são músicas estáticas como o vaporwave, drone, noise e tudo que seja monótono para uma população mundial medicada em anti-depressivos ou a dar em codeína ou crackinho. A euforia dos anos rock/techno/hiphop dos 70/80/90 já lá vão. Nos anos 00 não há pica para mosh e saltos, a música como o trap (ou Lana) dança-se parado, com tique de "granda boss" cheio de pausa como se fossemos donos do mundo - apesar de sermos cada vez mais uma prole delapidada de direitos e de vida decente, sendo a cultura Zombie a grande ilustração desses tempos. 

De resto, as estratégias são as de sempre, pelas letras ou vídeos, Lana são várias Lanas como há vários Bobs, Bowies, Madonnas e Mansons, embora a maior parte das vezes identificamos como uma "girl next door" californiana - na realidade ela é de Nova Iorque, sacaninha! Pareço um gajo na crise da meia-idade mas defendo-me que a admiração que tenho por este CD não é a bizarria fetichista do meu mecânico pela Celine nem a pedofilia legal de um colega meu que passa o dia a ver os vídeos dos romenos "metaleiros" Iron Cross. Ainda acho a Diamanda Galas, A GAJA! Calma, isto é só Pop...