segunda-feira, 3 de março de 2008

O milénio, antes e depois...



Arcade Fire: "Neon Bible" (Merge; 2007)
Legendary Pink Dots: "The pre-millennial single" (Soleilmoon; 1998)
Tiago Guillul: "IV" (FlorCaveira; 2008)

A passagem para o Novo Milénio foi matéria-prima para muita paranoía e criação - e também alguns excessos e risota. Passado sete anos - não esquecemos que a passagem foi em 2001 e não 2000 - e não tendo o mundo acabado como se tanto previa, o que é uma pena porque além de termos de continuar nesta vida ainda por cima temos de aturar mais estúpidos com novas teorias de aniquilação - marquem na agenda, o próximo fim do mundo está combinado para 2012 ou 2016. Mas o pior, o pior de tudo mesmo tem sido toda essa gentalha que arranjou novas espiritualidades imbecis da Era de Aquário como os Yogas (até passaram a dizer "i-óu-ga") e consumos de música para meditar (New Age) ou revistas com títulos absurdos como Happy. O Novo Freakismo já não são apenas putos estúpidos com rastas e gajas com roupas de cores berrantes, não senhor! Atingiu a sociedade de forma total, ao ponto que ninguém acha estranho que a Caixa Geral de Depósitos edite uma revista hipócrita sobre "bem-estar" chamada Azul cheia de artigos de como a vida pode ser melhor ou sobre "consumo responsável" (!?).
Num espectro de bandas com problemas cosmogônicos e apocalípticos dos anos 80, os Legendary Pink Dots serão os mais ecléticos - e os PTV! - tal é a misturada de Rock, Dark Folk, Psicadelismo, electrónica, Industrial numa extensa carreira discográfica. Vindos de Inglaterra mas aterrando em Amsterdão em 1984, os cabecinhas são Edward Ka-Spel e Phil Knight (ou Silverman) embora os "outros" (que são holandeses) não sejam de ignorar na dinâmica do grupo dada a riqueza de sons que trazem com as guitarras, saxofones e electrónica em geral. Este EP é uma daquelas prendas que bandas de culto costumam fazer, oferecem aos fãs quatro temas, três deles revisões de temas antigos que dada às transformações ao longo dos concertos "pediam" ser regravadas. Uma viagem de 33 minutos em que as músicas fogem para cima dos cinco minutos chegando até no caso de Andromeda Suite'98 aos 11m- curiosamente este tema, na sua versão original foi editado em Portugal numa compilação da Fast Forward intitulada Trinity com partipações de Nouvelles Lectures Cosmopolites e Laurent Pernice. O disco explora um esquema de progressão que começa em Funk Industrial exótico e cairá em Drum'n'Bass barulhento. O "must" é Needles (Version Sirius) em que um pai explica ao filho que ele e a mãe pretendem fugir para Sírius porque este planeta está todo lixado... E que para ir para Sirius não é propriamente de carro ou de avião... O monólogo é delirante que acho que apanha bem a tensão pré-milenar.
E como a Terra não deu o peido final, como se tanto exigia, temos de aturar os Arcade Fire, esse fenómeno global de Pop Índio, pelos quais se criou uma histeria desmesurada - não seria histeria se não fosse desmesurada? - desde o primeiro álbum. Claro que as canções dos Arcade Fire têm aquele charme que as transforma em "hits" imediatos, daquelas músicas que se quer ouvir outra vez e outra vez, viciantes tal como uma maldição concebida pelo Diabo. Mas daí a serem "epifanias" ou "revelações" só me faz pensar se a Prozac Nation já não sabe antes o que raios é um "pifo"! Ou porque os putos já não bebem álcool como antigamente ou porque as pessoas perdem as referências com os impérios "hype", esquecem-se que estamos uma banda que tanto soa a Smiths como a Supertramp, abocanhando tiques pindéricos da Pop dos anos 80's que insistem em passear no Século XXI. Gravaram o disco em igrejas protestantes - uma baptista, o que deve dar um gozo especial ao pessoal da FlorCaveira - mas não sentimos uma única sensação sonora que fizesse diferença. Tive mais 'pifanias com o Demis Roussos, esse Deus Pagão Grego que se aproxima-se mais dos Arcade que os Arcade dos Pixies.
O quarto registo de Tiago Guillul - se ignorarmos o barulhento projecto Borbulhas Borboletas - é um grande disco Pope, um grande disco "lo-fi", iluminado por Deus, cantado em português como já ninguém tem a coragem de o fazer. Se o Panque Roque cristão é um estigma que Tiago se calhar até agradece e que se coloque cada vez que se fala do seu trabalho, e apesar de algumas músicas serem demasiado conotadas a (sua) Igreja (Baptista), como é o caso do glorioso hino épico Igrejas cheias ao Domingo - que fará qualquer pagão sentir-se revoltado! - por outro lado, Guillul usa este "estilo" a seu favor com o sua habitual inteligência e humor (o que quer dizer a mesma coisa) como assitimos à canção Beijas como uma freira.
Não faltam boas músicas Pope num álbum de 15 canções, e apesar do torcer do nariz às mais religiosas, são 15 valentes canções, bem compostas e orelhudas - será que ele quer-nos converter mesmo!? Um lobinho com pele de carneiro? E por falar em animais, não faltam músicas dedicados aos bichos (Dentes de lobo; 4ª-Feira de Cinzas; Diogo, és cão; Arranja-me um jumentinho) que podiam ser ilustradas pelo José Feitor, um ilustrador que adora desenhar animais. E há provocações: «Se o país tivesse de arder seria pela minha mão / Não havia de sobrar nada (...) Portugal tornar-se-ia a lareira da Europa» em A Lareira da Europa e autobiografia na Canção para o Rodrigo, que apesar da melodia evangelista fala de cristas Panques nos tempos de liceu em que se ouvia Kurt Cobain... Uma daquelas músicas que quase apela a uma nostalgia "real" sem que se torne boçal ou lamechas, como acontece com o negócio da nostalgia. Um álbum DIY que mostra que ainda há Humanidade em 2008.

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