segunda-feira, 20 de junho de 2011

Andrew Keen : The Cult of the amateur (Doubleday; 2007)

Eis um livro reaccionário sobre a Internet, em especial sobre a web 0.2 e a forma como o mundo virtual se organizou ao ponto da revista Time na edição de 2006 ter considerado a personalidade do ano "TU"!
"You", ou seja, todos nós que enchemos Wikipedia, Facebook, MySpace, Youtube de informação (real e ou enganosa) e que, segundo Keen, esta "democratização do mundo digital está a assaltar a nossa economia, cultura e valores". Segundo ele: "Os mais prestigiados jornais e revistas da actualidade, a indústria musical e cinematográfica são postos em causa por uma avalanche de conteúdos amadores criados pelos utilizadores das redes digitais. As receitas publicitárias tradicionais caem de forma acentuada com a oferta de anúncios grátis on-line; as cadeias de televisão são ameaçadas por canais de programação criados gratuitamente pelos utilizadores, de que o YouTube é o maior exemplo; a partilha de ficheiros e a pirataria digital devastam o negócio da música e atemorizam o cinema. Pior do que tudo isto, a cultura on-line do copy-paste – na qual a propriedade intelectual é facilmente trocada, descarregada e alterada – está a destruir os direitos de autor, espoliando artistas, autores, jornalistas, músicos, editores e produtores do fruto do seu trabalho criativo.
Num tempo de celebração do amadorismo, em que todas as pessoas, por pior informadas que estejam, podem publicar um blogue, disponibilizar um vídeo no YouTube ou mudar um artigo da Wikipedia, a distinção entre o profissional e o amador é perigosamente esbatida. Quando bloggers, podcasters ou videógrafos anónimos podem publicar sem os constrangimentos de padrões profissionais ou filtros editoriais, esbatem-se as fronteiras entre o verdadeiro e o imaginário."
Keen defende que um bom livro é um que tenha um editor por trás, como o caso do livro dele mas garanto que este deve ter sido o livro mais mal-escrito que li nos últimos tempos. Repetitivo e pouco estruturado, acaba por ser uma literatura tão "light" como a dos amadores que escrevem para as "vanity press" como Lulu.com, Papiro, Chiado, etc...
Todos os exemplos que Keen aponta, como carreiras destruídas pelo impacto mediático de um vídeo no Youtube, são realmente preocupantes. É verdade que é mais fácil um jornalista ser preso de que um bloguista irresponsável. É verdade que não sabemos se uma multinacional não estará a pagar a alguém para escrever bem sobre um gelado dos anos 80s provocando um reaparecimento desse produto. Já sabemos que as empresas e publicistas usam o sistema "viral" da Internet para vender produtos sob a forma de uma opinião de uma simples pessoa que têm um blogue. Etc... Mas há três coisas que Keen não consegue compreender porque ele é tão básico e sectário como aqueles que critica.
Primeiro, não desenvolve nenhuma teoria nova e passa 200 páginas a queixar-se quando o resumo que fiz "copy/ paste" do sítio da editora portuguesa onde foi publicado, resume de facto tudo o que ele escreve no livro inteiro. Não há mais nada. Ok, ainda há algo mais! Mas já ultrapassa as marcas do razoável com uma crítica aos jogos de Poker e à pornografia na 'Net...
Segundo, Keen esquece que graças à anarquia da 'Net um puto nos Trás-os-montes (ou do Iowa, uma vez que o livro todo ele é americano-cêntrico) pode ver o mítico filme Un chien andalou no Youtube porque em Portugal só há uma Cinemateca e as salas de cinema pelo resto do país foram destruídas pela oferta monocultural dos filmes da Lusomundo (empresa canina dos produtos yankees) - como será no Iowa? Sabem o que é uma "cinemateca"?
E terceiro, a decadência da nossa cultura não surgiu porque os amadores deram cabo dela, graças às suas "piratarias" e conteúdos grátis, que estão a levar ao fim dos jornais, discotecas como a Tower Records, livrarias, a indústria de Hollywood, rádio, TV ou a pesquisa académica. A questão já é muito anterior: a ganância das indústrias "culturais" que resultou numa bolha especulativa prestes a arrebentar é culpada há muitas décadas. São estas indústrias para nos fazerem engolir produtos de má qualidade que gastam mais dinheiro em Marketing e promoção fazendo com que um CD custe 20 euros ou um livro medíocre custe 17 euros (como é o caso da edição portuguesa deste livro!), ou 6 euros por um bilhete de um filme "template" de outros mil já vistos. São as mesmas que fizeram da TV e da Rádio e outros meios de comunicação OS SEUS meios de comunicação para nos bombardear com merda como U2 ou Editors ou Lady Gaga. Entre uma playlist de uma rádio controlada por 4 editoras fonográficas multinacionais ou um podcast de um puto que tenha seleccionado só bandas de Beer Metal e músicas sobre peidos o que é pior?
A 'net está a mudar-nos, é certo mas um lado positivo é agora vemos e ouvimos o que queremos - ou pelo menos o que procuramos. Não preciso de um crítico do Imbecilón a tentar vender um Britpop de forma tão subreptícia como um "reviewer" manhoso da amazon.com. Keen defende que só se consegue fazer bons produtos culturais se houver intermediários - profissionais com experiência como editores, produtores, promotores, revisores, etc... Profissionais esses que tendem a desaparecer quando todos nós estamos a oferecer e gerar produtos na 'net que valem zero Euros. E que ao ser tudo digital e barato a qualidade dos produtos também serão menores que obras como o álbum Dark Side of the Moon. Mas a revolução digital não é só distribuição de conteúdos passa também por formas de produção que já não precisam de um estúdio carrissímo como nos anos 60. E a música lo-fi dos ex-mendingos Konono Nº1 são menos psicadélicos ou interessantes que os Pink Floyd? Não acho...
Claro que nem todos os "amadores" poderão ser Kafka ou Pessoa. Curiosamente estes dois autores não precisaram de intermediários para escreverem alguns dos textos literários mais importantes do século XX. Nem foi a Academia que os criou - à parte, a Academia não gera obras artísticas só as valida e geralmente tarde demais. É certo que foram os intermediários que deram "voz" ao Kafka (que ao morrer queria a sua obra destruída) e ao Pessoa, que pouco publicou em vida. Da mesma forma que estes intermediários deram "voz" a este pobre livro de Keen.

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