Cut Hands : Black Mamba (Susan Lawly; 2012)
Quando oiço este disco é impossível não pensar no trabalho de HHY & The Macumbas, ambos partilham a exploração sonora de batidas Voodoo e também o imaginário Vévé para ilustrar os discos. Claro que depois disso os caminhos não se cruzam mais, a começar pelo facto de Cut Hands ser de uma criatura só, o William Bennet que fazia parte dos tenebrosos Whitehouse. Se com este projecto a tendência era para provocações Noise sobre psicopatologias sexuais (a temática pedófila já enjoava!), Cut Hands é um jogo envolta da percussão africana sem entrar em recriações etnográficas mas provavelmente à procura de um estado hipnogógico e vaporoso - como o primeiro tema, Witness the spread of the dream, sugere. Este é o segundo disco deste projecto, se o primeiro álbum havia uma componente de power electronics vinda ainda de Whitehouse, neste há temas mais ambientais e aparentemente menos violência - ontem coloquei algumas faixas deste disco na festa do Kassumai, e deu para sentir a força de temas como Black Mamba ou No spare no soul.
É uma viragem no trabalho de Bennet, embora o interesse por África já vinha de trás - a maior parte dos músicos Industriais e Noise, dos mais velhos como SPK ou Throbbing Gristle aos mais novos como Sektor 304 são fascinados pelas percussões polirítmicas africanas - ou mais concretamente pela "colectánea" Extreme Music From Africa (Susan Lawly; 1997).
Claro que Cut Hands não é o primeiro "pula" a explorar África musicalmente - nem é bom falar do resto, sobretudo nós portugueses que tanto terror espalhámos por lá. Eis um caso de 1962, A Swingin' Safari (Polydor) do alemão Bert Kaempfert que é um disco de easy listening / lounge que de africano nada tem graças às suas orquestrações de branquelos burgueses. O mais próximo que temos é um dos primeiros hits da Aldeia Global, Wimoweh, tema que reomenta a 1939 e mais tarde popularizado pelo filme da Disney do Rei Leão - The lion sleeps tonight..
Aliás, a capa diz tudo, se a tipa não tivesse num estúdio de fotografia na Alemanha e tivesse mesmo ido para algures em África ela estaria com um ar menos tonto de tanto chucrute e com as pernas cheias de picadas de mosquitos e de merda por sofrer de disenteria. É um disco encantador como qualquer outro do tipo (Paul Mauriat, Herb Alpert,...) para quem nunca foi ao continente negro e nem quer saber o que ele realmente ele é...
De resto, a exploração de sons africanos em contextos ocidentais nunca deixou de existir até aos dias de hoje, recordo aqui por exemplo dois Maxis a provar isso, passando pelo Italo Disco de Africa (Zanza / MVM; 1982) de Key of Dreams e House europeu de Hello Africa (Logic / Ariola; 1990) de Dr. Alban com Leila K.
No primeiro caso é um maxi que toma o tema de uma banda horrível norte-americana de AOR, os Toto... Só o nome e as suas figuras de brancos repugnantes! A versão italiana faz saltar os sintetizadores e as batidas tribais, também lhe dá num vocoder mas o tema continua a ser tão ridiculo como sempre foi. Melhor é o lado B com uma Dub mix da treta em que há um bocado menos voz. Ainda dizem que os negros são foleiros...
O Dr. Alban sempre é um bocado mais honesto porque apesar de ser sueco é de origem nigeriana - e é dentista para usar o prefixo de Dr. embora quem é que pode acreditar num nigeriano, né? Hello Africa deve ser o único tema dele que não é vomitante, numa enorme carreira de Euro Trash do piorio. Este Maxi tem três misturas que se separam do funcionalismo Pop de 3 minutos do tema original, realçando os toques exóticos com Dub manhoso ou até sons de passarinhos (da selva?). Não é mau de todo... Tal como o Wimoweh estes temas são ciclicamente recuperados pelos maricas do costume, como por exemplo, produtores noruegueses de música electrónica de dança como Rune Lindbæk que no projecto / colectânea Klubb Kebabb (Noid; 2007) recuperou o Africa / Key of Dreams juntamente com outro lixo Disco.
Claro que temos a mania de colocar coisas em caixas e modelos, para muitos a música africana subsaariana é aquele Afropop como o Bonga (ainda há pouco entrou em casa o Diaka (Diálogo), de 1990, pela Discossete) ou Afrobeat em que teve King Sunny Adé como um dos grandes sucessos mundiais, do qual aconselho o Synchro System (Island; 1983). Mas quando chegamos a discos dos Black Power com Mornas e Coladeiras (Orfeu; 1976) ou dos Voz de Cabo Verde com Viva Liberdade (VCV; 197_?) ficamos confusos, sobretudo com a Voz de Cabo Verde que faixa a faixa foge aos "sons africanos" para se meter com ritmos sul-americanos, soul e até um certo Rock Psy.
Para se perceber o que se passa por aqui é preciso ler textos em inglês e francês sobre a banda e a emigração caboverdiana. ao que parece há uma enorme comunidade caboverdiana na Holanda que vêm desde os anos 60/70, onde os VCV e outros músicos para ganhar a vida tocavam, em bares e salas de dança, e ehm... como antes não havia DJs ou youtube para animar uma festa, eles tocavam um bocado de tudo o que estivesse a dar na altura - é o que acontece ainda hoje com as bandas de "covers". Pelos vistos nas gravações, todas essas influências, camufladas ou assumidas entravam em disco.
No caso de Black Power, nome que deveria ofender os portugueses porcos colonialistas, a música de caboverde é mais assumida e até fico com pena que o nome da banda não lhes influencie para o Funk e ondas mais anglo-saxónicas, embora haja um orgão bem ácido sempre presente.
Por fim... o que dizer sobre os Die Antwoord? Branquelas da África do Sul, o único país que teve os brancos a reinarem como uns porcos até há pouco tempo - não esquecemos que o regime racista do Apartheid esteve no poder ainda até 1994! Ainda nem 20 anos se passaram... Mas ignorar $O$ (Zef / Cherry Tree / Interscope; 2010) seria uma parvoíce até porque é o único momento Pop realmente basilar para um novo milénio que foi tão chato!!!
E à partida seria improvável, afinal quem acha que num mundo Pop sempre/em inglês, um casalito "bling-bling white trash" a cantar misto de inglês com africaans (um dialecto holandês tão nojento como os brancos que foram para lá) poderia subir à escala global? O sucesso deveu-se a vídeo-clips virais como o primeiro Enter the ninja que mostrou uma África cosmopolita ao sabor do Ocidente mas com uma ponta de freak e de "algo errado". A música vai buscar o Techno euro-trash com um Rap manhoso, a imagem ultrapassa a música tal como é normal no Pop, no entanto, ao contrário de umas Spice Girls em que uma cambada de criativos de agências publicitárias criaram a "marca" (imagem, conceitos, estratégias, etc...) aqui a visão fabricada vêm de directamente da imaginação do grupo. Aliás, o projecto parece nitidamente ser multimedia e artístico querendo subverter a normalidade burguesa distorcendo os símbolos genéticos, económicos e sociais... Não é à toa que o fato encapuzado da capa seja do Gary Baseman ou haja ligações aos autores de BD da polémica Bittercomix. A primeira década do século XXI acabou bem, e novamente, tudo volta a África.
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