segunda-feira, 2 de outubro de 2023

Marissa J. Moorman : "Intonations : a social History of Music and nation in Luanda, Angola from 1945 to recent times" (Ohio University Press; 2008)

Uma agradável leitura de verão... já estava preparado para ler aquelas secas de notas ou as repetições chatas da escrita académica mas o tema manteve-me atento sem cair de sonolência e comer areia da praia. Mais do que tratar do tema específico bem explícito no título, isto é, sobre a música de Luanda desde 1945, Moorman faz um trabalho para revelar como a música pode ser importantíssima seja num cenário "micro" como "macro". 

"Micro" quando revela como a música em Angola, ou melhor, em Luanda, ou melhor, nos "musseques" (bairros de lata suburbanos) se desenvolveu, como "empoderava" os seus agentes (músicos, organizadores de festas e concertos, mulheres), como permitiu formas de auto-organização num mundo de trabalho explorado e miserável sob a administração portuguesa e, claro, como se disseminavam mensagens políticas nas canções contra o invasor colonialista português.

"Macro", quando após a independência, o vencedor MPLA (na altura marxista-leninista, hoje dizem que são "social-democratas") usou a música para criar uma identidade nacional, num país com várias étnias "recortado a régua e esquadro" - como aconteceu com quase todos os países africanos sob jugo imperialista europeu. Já agora, para o eurocêntrico convicto armado em parvo, ele que se recorde que as nações são invenções diabólicas e artificiais, basta pensar na vizinha Espanha (com as tensões galegas, bascas e catalãs), passando pela Itália, Inglaterra, Bélgica, Checoslováquia ou os massacres étnicos da ex-Jugoslávia que aconteceram apenas há 30 anos atrás. Claro que bons "tankies" que eram os MPLAs, deram cabo dos esquemas de auto-organização dos músicos, reprimindo e tomando controlo cultural e económico sobre a população, empurrando os músicos para a miséria ou para a morte, especialmente os que incomodavam. 

Sendo um Estado corrupto até ao tutano, o que interessa é diamantes e mais nada, por isso, Moorman viu-se grega para conseguir documentos e discos que deveriam estar preservados e catalogados nas instituições públicas do "país". Claro que não estavam nos tempos da sua investigação, durante os anos 00 deste milénio, e acredito que ganharia uma aposta se dissesse que continua tudo na mesma ou pior em 2023... Isto para dizer que ela safou-se bem, claro, graças às boas relações com músicos e colecionadores particulares.

O livro é acompanhado com um CD com músicas emblemáticas, durante a ocupação portuguesa. É música fantástica que se ouve e que prova porque Luanda merece estar nestas "dez cidades" (ao contrário de Lisboa!)

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