sexta-feira, 21 de junho de 2024

Ritalina

O mercado português do livro anda cheia de paca e até edita duas autobiografias da brasileira-mutante Rita Lee (1947-2023). A julgar pela falta de tradução de português brasileiro para o de Portugal, a editora Contraponto (do grupo Bertrand) têm a consciência que existe uma enorme população brasileira a viver por cá, por isso não vale a pena perder tempo com "traduções" até porque temos um acordo ortográfico merdoso que "une" as duas línguas. Lee alguma vez foi grande em Portugal comparando com outros músicos brasileiros? Acho que não... A escrita da maior "porra-louca" é "multiculti", divertida, descomprometida, cheia de estrangeirismos sobretudo em inglês gringo (isto sim é traduzido) e expressões mestiças como "roquerou". Sendo verdade que os portugueses estão expostos ao português BR desde sempre com a importação de "quadrinhos" (Disney, Marvel, DC, Turma da Mônica), exibição de 'novelas na TV e vídeos de parvalhões do Youtube, ainda assim há expressões que passam ao lado ao português "iluminado" e que não justifica não terem feito um "aportuguesamento PT" da sua escrita.

Uma Biografia (2017) é uma colecção de memórias de família, de intimidades, toxicidades e da sua carreira musical. É engraçado que Rita Lee sendo uma mulher "sem qualidades" - não é de uma beleza espampanante, não tem uma voz magistral nem é virtuosa como músico - consegue ser isso tudo e melhor que todas as criaturas que vão aos programas de talentos para serem mastigadas pelo putedo da indústria fonográfica e afins. O que Rita nos ensina é que quando se tem algo para dizer e imaginação, estas podem ter mais força que os corpos perfeitos da máquina do sistema. E mesmo quando se vive em estado de repressão, afinal Rita viveu durante a Ditadura Militar, tendo sido censurada e até foi presa durante a gravidez do seu primeiro filho. Cheia de esquemas e histórias cómicas e trágicas, eis uma leitura para o Verão que se aproxima, até porque a música dela, a solo, pós-Mutantes, é quase toda ela Pop levezinha e descartável, como tudo nesta altura.

A sua sinceridade é inspiradora, seja para as boas ou más decisões, é sempre divertida mesmo quando vai ao fundo. Esta escrita será repetida no Outra autobiografia (2023) que regista o final de vida de Lee numa luta contra o Cancro. No meio de medicamentos e terapias mil, dores e a percepção que a Morte se aproxima, Rita é a última a rir.

De resto, as edições incluem as fotografias memorabilia de praxe (fotos da família, animais, concertos, celebridades, acidentes, etc...) sendo as mais impressionantes as do último livro, claro, uma Rita desgastada pela doença e pela velhice mas também com desejos psicadélicos. 
 
Uma figura extraordinária que se soube reinventar até ao fim. Fofa!

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