sexta-feira, 10 de outubro de 2014

Prefácio em QUADRADINHOS


Escrevi o prefácio para este catálogo / antologia de BD portuguesa ligada ao Festival de BD de Treviso. O livro é bilingue (italiano / inglês) e participa autores que já passaram pelo Mesinha de Cabeceira como Jorge Coelho ou José Smith Vargas, coisa bem eclética como podem bem perceber. Mais que eclética é institucional com a vantagem de estar bem feitinha!

Fica aqui um excerto do meu texto: (...) Quando se tenta fazer o retrato de um país através das suas actividades criativas nunca se é consensual. Se um país possuir uma indústria esta será mais fácil de identificar pelos seus modos de produção (como acontece com a BD dos EUA, Japão ou a franco-belga) mas quando chegamos à produção de autor, esta nunca poderá ser colocada num grupo fechado porque de cada autor espera-se um trabalho individual, personalizado e visionário. Pelo meio há ainda toda uma enorme palete de tons porque aos autores podem ser pedidas encomendas comerciais ou institucionais ou porque conseguem furar dentro da “máquina”, algumas vezes impondo as suas regras sem comprometerem o seu estilo pessoal, outras vezes não...

A BD portuguesa é na essência feita de BD de autor que começa explosivamente com Rafael Bordalo Pinheiro (1846-1905) e vai sempre sendo interrompida ou recuperada com as atribulações históricas do país – como exemplos: o Estado Novo e o crítico Carlos Botelho (1899-1982), a Revolução de 25 de Abril e o grupo experimental da revista Visão (1975/76). Na realidade só houve um momento industrial e foi durante o tempo do isolamento do país pelo fascismo, que criou um proteccionismo e permitiu algumas décadas de profissionalismo na área da BD. Encontramos nestes tempos “de ouro” (como os coleccionadores da nostalgia chamam) vários desenhadores virtuosos ao nível de outros internacionais. O problema era que as revistas de BD, todas elas infanto-juvenis, ou eram controladas directamente pelo Estado ou indirectamente através da Censura e por isso as temáticas não saiam das balizas da História (hipócrita) de Portugal, do nacionalismo tosco e claro de bons costumes familiares, higiénicos e físicos.

Não admira que, alguns autores se tenham fartado e tenham imigrado, como fez Jaime Cortez (1926-1987) para o Brasil – inaugurando lá uma escola de BD e até a primeira exposição de BD no mundo!; ou Eduardo Teixeira Coelho (1919-2005) para Espanha, Inglaterra, França até se fixar em Itália (onde ganhou o Prémio de Melhor Desenhador Estrangeiro em Lucca 1973); ou ainda Carlos Roque (1936-2006) para a Bélgica, entre as décadas de 40 e 60 que são marcadas por grandes vagas de imigração de portugueses, sobretudo para a reconstrução da Europa pós-Guerra, à procura de melhores condições de vida. Portugal não só era um país atrasado culturalmente como era economicamente – o Governo de Salazar acabou com as fábricas para não ter massas proletárias, que trazem sempre reivindicações sociais, acreditam nesta lógica!? Sair deste pesadelo fascista não foi fácil nem o que veio depois com uma sociedade mal preparada para quase tudo como por exemplo fazer comércio com BD. Daí que ainda hoje há exemplos de autores à procura dos grandes mercados da BD porque em Portugal “não há nada” como Jorge Coelho (1977) e Rudolfo (1991) que felizmente podem trabalhar nos seus estúdios ou em casa e não tiveram de imigrar prá “gringolândia”. (...)

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