Como escrevi numa resenha a uma k7 no penúltimo número d'A Batalha: O Rock nasceu negro nos anos 50, foi adoptado por padrastos brancos, começou a namorar aquela que viria a ser a sua companheira prá vida, a Pop. Até tomaram drogas psicadélicas juntos nos anos 60. Depois ficou adulto e responsável (Prog), teve um filho anarca (Punk), nados-mortos (Metal) e bastardos (Industrial) e sendo entretanto um «ok, boomer» perdeu-se nos anos da web 2.0. Claro que quer deixar rasto na História e meteu-se a fazer museus e deixou que lhe escrevessem epitáfios. Sem «gigs» em 2020, morreu no centro de dia porque o Estado não tem paciência para velhos.
Em Guimarães, Porto e Almada até fizeram livros luxuosos com prefácios dos mercenários Rui Moreira ou Inês de Medeiros (...) - estes últimos respectivamente nos catálogos Musonautas: Visões & Avarias : 1960-2010 : 5 Décadas de Inquietação Musical no Porto (Galeria Municipal do Porto; 2019) e Margem : Uma História do Rock (Museu da Cidade de Almada; 2019).
O prefácio de Medeiros é a hipocrisia com todo o charme. Se a capa e a primeira foto que se encontram no livro é dos putos a atirarem-se dos balcões de
Ratos de Porão em 1994, não convém esquecer que a senhora afirmou que o Rock não entraria mais na sala de espetáculos onde aconteceu o mítico concerto - o Incrível Almadense. Revela estar contentinha pela exposição, que esteve patente em 2019, por ter batido o recorde de entradas de público no Museu da Cidade. Uma foto do belo concerto dos
Mudhoney deveria lembrar que até à pandemia acontecer em 2020 não havia um sítio decente na cidade inteira para as bandas tocarem em condições. Pois é filhota, o que vale é que as pessoas esquecem-se de tudo e os kotas do Rock devem voltar a votar em ti por os ter metido num livro em formato superior A4, talvez para não ser tão foleiro como objecto de design - é luxuoso q.b. mas não tem a aristocracia dos
Musonautas - já lá iremos... Neste
Na Margem há textos a pensar sobre a museificação do Rock por Vítor Belanciano e as normais cronologias desta música mais a indexação da memorabilia da exposição, desde pulseiras de picos de Black Metaleiros a fanzines de BD como o
Hips! de Nuno Saraiva & cia, bem como uma divertida BD pós-moderna de seis páginas de
Miguel Fonseca e Rui Amaral feita em 1987 - um caso raro de contemporaneidade na BD portuguesa, diga-se de passagem mesmo que em contexto escolar - e que deu origem nos
Thormenthor. Ah! e também as discografias das bandas do concelho e essas coisas todas e ao contrário do Porto, assumem aqui a existência da música pesada Punk / Hardcore / Metal. Um manancial para os historiadores do Futuro. Um trabalho bem feito, sem crítica como as instituições gostam. Epá, e topo da cereja é que
já faço parte da bibliografia da história desta merda do rock tuga, ena! Vou mudar o meu nome para Múmia Farrajota.
O
Musonautas é outro patamar, não fosse o Porto e o que significa, a segunda mais importante cidade portuguesa e como tal berço de artistas e cultura. claro que começa mal com o editorial de quem dá o carcalhol, o actual presidente da câmara Rui Moreira, a dar em nostalgia e a falar dos seus negócios de família. Dá tudo a perder mas felizmente a fantástica documentação, a abrangência do livro (não é só sobre Rock, trata de música contemporânea, neo-clássica, popular, da imprensa, enfim quase tudo), as intervenções dos seus vários escritores e o design gráfico fazem disto uma peça histórica que Lisboa com o "Merdina" nunca poderá ter tal documento. Se calhar ainda bem, se fosse a actual Vereação da Culltura só se poderia esperar murais de homenagem ao Zé Pedro ou ao Ribas poluindo as últimas paredes de Lisboa que restam.
Falhas, algumas, o texto sobre o Hip Hop é fraco - e preocupante como a Matarroa é mal lembrada - e o Heavy Metal é quase ignorado - só não é porque o Gustavo Costa é um músico respeitável do mundo do Experimental e Improv, e que teve nas suas origens bandas como os Genocide. É ainda acompanhado por um CD (aprende Almada!) com raridades musicais para todos os gostos - Hospital Psiquiátrico finalmente com bom som -, pena não tem um alinhamento cronológico para se sentir um evoluir dos sons - dos estilos à gravação. Aliás, não é à toa que o disco acaba com a sensação que os Dealema (e o Hip hop) continua a ser um guetho musical. Para a próxima contacte-me que eu sei fazer isso bem.
Aaaaaaah... foi uma bela época. RIP Rock!