quarta-feira, 7 de dezembro de 2022

1000 paus da Chili vs 15000 do MC

Fiz este ano parte do Júri de atribuição das bolsas de criação literária na área de BD. Não sei se choro ou se rio porque olhando para as propostas enviadas pouco diferem das que são enviadas para o concurso dos 500 paus, organizado pela Associação Chili Com Carne, ou seja, vale um bocado de tudo... Considerando que a bolsa é do Papá-Estado a 1250 paus ao mês, esperava bem mais e melhor.

"Mais" é verdade que há mais quantidade de propostas mas não muito mais como nos 500 paus, especialmente nos últimos anos. Se calhar, fui ingénuo a pensar que há mais gente em Portugal daqueles que já conheço - quase todos. Exagero. Há sempre novos autores que nunca ouvi falar e muitos deles com potencial para criar boas obras. 

Mas os problemas mantêm-se desde sempre, nitidamente falta uma “cultura da banda desenhada” em Portugal. No entanto, existem QUATRO Bedetecas (bibliotecas especializadas em BD) espalhadas pelo país, nomeadamente em Lisboa desde 1996, na Amadora (originalmente como Centro Nacional de BD e Imagem) desde 2000, Beja (2005) e Cascais (2015), sendo que há países que nem uma Bedeteca têm! Tirando as excepções que confirmam as regras, não vejo os estudiosos a usarem esses equipamentos culturais, nem os pretensos programadores de festivais, nem jornalistas e talvez o pior de todos, nem os próprios autores. Há certezas, pelos vistos. Há certezas de que sabem o que estão a fazer ou investigar. Essa atitude está próxima do “fã”, essa vil criatura, um sociopata que lhe falta mundividência e vive sob a óptica dos universos de bolso.

Vivemos na época dos não-lugares, tão assépticos como um hospital privado, o aeroporto hiper-inflacionado ou a "novela gráfica" como novo paradigma da indústria da BD, cheia de regras novas e servilismo ao funcionalismo e à pedagogia, impedindo uma maturação do gosto público pela BD. Quer-se da BD, nestes tempos assanhados, que ultrapasse os escombros do imaginário que parece ainda dos anos 50 do século passado, a julgar por muita da produção que é publicada, especialmente em Portugal. No entanto, parece que está tudo ainda por fazer, mesmo depois dos esforços implacáveis e colossais de João Paulo Cotrim e a sua Bedeteca de Lisboa - mas também, como a outra face da moeda, com as produções tradicionalistas do CNBDI. 

Os novos não conhecem os velhos, os velhos não conhecem os novos, os novos passam a vida a inventar a roda ou a descobrir o fogo, numa ignorância atroz fomentada por editoras pobres de colhões e os que têm estão cheios de condescendência e paternalismo. Os editores e outros agentes de mercado são incapazes de publicar "certos" livros porque o "público não está preparado" mas preparam o público sempre para o pior, andamos nisto desde os anos 80. 

A Luta continua! Por isso, divulgo aqui o próximo concurso da Chili, sempre na esperança que alguém desconhecido parta a loiça toda!


5 comentários:

R.J.Mariano disse...

Queria modestamente acrescentar sem me alongar muito que penso que as editoras, festivais, instituições, lojas, etc/generalizando não representam os interesses nem do público nem dos autores e autoras, muitos colegas também não têm auto-consciência, os críticos raramente representam os interesses dos autores e tão pouco fomentam a criação de um espaço público de discussão. Os autores e autoras querem saber dos seus interesses e dos interesses dos seus leitores e falta um espaço público que faça a ponte entre ambos para além da própria obra publicada, óbviamente. Valem muito as excepções sem as quais estaríamos quase todos e todas na sombra. Não uso chapéu a não ser o meu chapéu invisível mágico que só serve para estas ocasiões, tiro o meu chapéu infinito sempre que leio o que escreves. Que pena ser assim, mas pronto. Mãos à obra na mesma. Abraço, R.

JoseFreitas disse...

"Os editores e outros agentes de mercado são incapazes de publicar "certos" livros porque o "público não está preparado""

Por exemplo?

José de Freitas

MMMNNNRRRG disse...

Chester Brown, Ruppert & Mulot, Andrea Bruno, Olivier Schrauwen, Brecht Evens, Julie Doucet, Bill Grifith,... mais?

JoseFreitas disse...

OK. Dado o contexto estava a pensar que estavas a falar de autores portugueses.

MMMNNNRRRG disse...

bom, se fosse por aí, a verdade é que ninguém quis o Francisco Sousa Lobo ou o Nunsky... e duvido que alguma vez gostariam de publicar a Amanda Baeza ou a Mariana Pita ou o David Campos... sei que alguns autores destes autores que referi bateram às portas das editoras profissionais portuguesas e que os editou foram a Chili Com Carne ou a MMMNNNRRRG... enfim!