quinta-feira, 27 de março de 2025

Adalberto Alves : "Arabesco : da Música Árabe e da Música Portuguesa" (Assírio & Alvim; 1989)

 Há livros que nos mudam para sempre. Este simples ensaio sobre as possíveis ligações da música portuguesa com a árabe poderá ser visto como um livro para melómanos tarados ou algum musicólogo com tendências etnográficas. Certo certíssimo! Talvez até o seja embora como admita desde logo que é apenas um pequeno contributo para tal.

Eu cá não percebo nada de instrumentos nem de notas, pautas, etc... E o livro fala disso também. O mais importante nem é isso, é o fascinante explanar de que a cultura árabe sempre fez parte do ADN português - péssima altura para ser neonazi! - muito mais do que se pensava, ou pelo menos o que nos ensinaram na escola. Agora percebo porque somos como somos, realmente nada temos em comum com os babacas da Europa do Norte. A nossa relação com os Mouros não foi de porrada neles e pô-los fora da Península. Houve negócio, houve cortes misturadas, havia fascínio pela música e cultura árabe porque na altura a cultura árabe era superior, houve parcerias entre os dois povos (três se contarmos com os Judeus). Os árabes estiveram séculos na Península antes da "reconquista". Moravam cá, copulavam como qualquer outro mamífero, constituíram famílias e tudo o mais que é normal numa civilização colonial. Como só no século XX é que se inventaram aquelas ideias funcionais como campos de extermínio, a questão é: depois dos "Afonsinhos do Condado" terem conquistado este rectângulo para onde raios foram parar todos Mouros que viviam cá?

Integraram-se, cristianizaram-se quando havia maior pressão católica, e só muito mais tarde os que não conseguiram apagar o rasto religioso é que foram apagados pela barbárie da Inquisição. Ou seja houve desta gente até muito mais tarde do que foi considerado com a terra conquistada e com bandeirinha portuguesa espetada. Significa que o nosso espírito está mais no Magrebe que em Roma e que estamos mais virados para o Oriente do que prá Cruz! Não admira que passamos sempre tristonhos e no canto da "saudade" - deve ser saudades das Mil e Uma Noites que perdemos graças à tirania cristã e à sua falta de imaginação monoteísta.

No fundo sabemos que algo está mal na nosso modo de ser. Algo foi imposto, não é suposto sermos assim, cristãos! Bem, ninguém deveria ser cristão para dizer a verdade mas falando só de Portugal, o que acontece é que não nos damos bem com a batuta da civilização europeia - aliás, os europeus do Norte tem a mania de dizer que Portugal é onde começa África. Eles tem razão!!! Somos tão estúpidos como os cabo-verdianos (que acham que são europeus!) por não assumirmos o outro continente, o africano. Realmente num país que todos devem a todos, que passa a vida a tentar a dar voltas ao sistema, que gosta de receber, de conversar e de conviver, que é hospitaleiro e de vida despreocupada, não são características bem sintonizadas com os tecno-protestante do Norte. Sempre senti que "o meu coração era árabe", agora tenho a certeza.

PS - o texto foi escrito em 2011 e fui repescá-lo porque além de não sentir vergonha dele, aconteceu-me aquilo que acontece quando se fica "velho". Com 51 anos, em Dezembro do ano passado comprei uma nova edição deste livro, pela Althum em 2016. Ia jurar que já o tinha ou que já o tinha lido ou... enfim, memória o que andas a fazer!? Mal não fez até porque a edição da Assírio já estava bem estragada e com traços de humidade. E foi um prazer reler este livro, relembrar que a Amália ("voz de todos nós") Rodrigues admitia que "A Oum Kalsum foi a melhor cantora que ouvi até hoje..." e ir procurar a discografia recomendada por Alves. Agora, só falta descobrir o que fiz aos Cadernos de Divulgação que não os encontro em casa!

segunda-feira, 10 de março de 2025

Merda Frita 3

 

Graças ao José Feitor - então ao editor do fanzine Merda Frita Mensal - fiquei a saber do seu lançamento... enfim, putos!

Aqui está a mensagem: Fruto de sinergia marada entre decanos (Imprensa Canalha) e jovens militantes do mau gosto (Matilde Feitor e meliantes da Merda Frita), anuncia-se evento apocalíptico no dia 15 de Março, a partir das 18h30, nos novos aposentos da Oficina do Cego (Estrada de Chelas 101, Lisboa - Espaços da Gráfica Municipal).

Serão apresentados ao público incauto as seguintes pérolas:

Fosso #3 (José Feitor, Imprensa Canalha)

Merda Frita #3 (Merda Frita Lda)

Fora de Campo #2, Night Time, My Time, Contos do Mar (Bancarr0ta, Matilde Feitor)

Haverá ainda exposição de originais de José Feitor para o Fosso e impressão serigráfica dos postais que acompanham a edição.

Comes e bebes assegurados pela Oficina, conversa a expensas dos ilustres autores e seus convidados.


TEXTO que escrevi:

 


Então, um gajo para fazer uma colonoscopia tem de 48 horas antes parar de comer merda, 24h come uma torradinha e depois é só líquidos. Horas antes toma laxantes e bebe 4 litros de água ou quejandos, e quatro horas antes fica de jejum - o melhor é ver um Anime de merda para passar o tempo. Depois despe-se, mete aquelas batas onde mostra o cu, metem-lhe coisas para medir coração e respiração, e a última cena que vemos é propofol - uma gosma branca que o Michael Jackson era agarrado e lhe provocou a morte por overdose - pelo tubo a dentro e sweet dreams!! Da primeira vez que tomei isso foi para uma endoscopia e sai de lá radiante a perguntar a todas as enfermeiras o que me tinham dado - a sério, de todas as drogas tomadas, esta foi a melhor do mundo que me bateu. Juro que poderia viver na lalaland dos sonhos para sempre. Fiz até uma BD sobre a experiência para o fanzine Preto no branco #6 (Nov'16). Desta vez, ou deram-me pouca ou a segunda vez já não bate tanto, sei lá! Acho que estava a ter uma grande discussão sobre feminismo na soneira até voltar à triste realidade da barafunda da clínica de S. Cristóvão. Lembrei-me desta última viagem de propofol como o mais aproximado de ouvir o CD 公衆便所 (殺害塩化ビニール; 2008) dos TooZy's (ツージーズ), música feita por um punk velho, de bandas punks velhas japonesas, com uma "miúda" que ou a engatou ou que a enganou, ou pode ser apenas uma sobrinha pacholas dele, sei lá, é melhor não escrever mais nada sobre a formação da "banda". 

A música é uma javardice pegada feita com caixas de ritmos, guitarras clichés cheias de feedback mas suportável para qualquer um que oiça som decente. Ela berra umas parvoíces de vez em quando mas nada de muito perturbante, sei lá diz umas cenas para parecer que é pita do secundário, supostamente um fetiche de muitos. Não percebendo um caralho do que dizem, não se pode dizer muito mais nada disto, terá humor? Que tipo? Xixi Cócó? Enapá 2000? Ou se calhar são uns fetichista marados quaisquer e até podem ser os Big Stick do Japão mas nunca saberei... 

Agora o artwork do CD é o que rende mesmo o disco! Imagens do apocalipse em Pop Heta-Uma, não faltando crianças, fetos, animais e sereias cagonas, tudo ao molho em modo destruição e morte. Há fotografias da "banda" com um boneco PVC (acho) de um escorpião branco com pinças de ouro no meio delas! E uma BD na rodela do CD! Tudo "creepy" e mau(bom)gosto sem explicação, ou pelo menos para quem não percebe nada de japonês. Um artwork que repele e atrai, adoro! A autoria é do próprio Toozy Q (Shinya Tsujimura) que tem mais jeitinho pra desenhar o desastre humano que musicá-lo!

Para os mais incautos, o Heta-Uma é um movimento de BD japonesa ligado à revista de BD Garo (1964-2002), e é o que se pode rotular de Punk na BD, tal como poderão pensar o equivalente no "Ocidente" ao associarem os nomes de Gary Panter e Savage Pencil. É traduzível como "mau mas bom", ou seja, os desenhos parecem mal paridos mas é porque o artista quer, não por ineficiência ou má formação. O artista mais conhecido será King Terry, havendo mais desta primeira geração como o Yoshikazu Ebisu, que tem visto a sua obra a ser descoberta e reeditada em inglês pela Breakdown Press - já saíram duas  colectâneas, The Pits of HellI wish I was stupid

Em Portugal o atraso é o de sempre e só nos finais de 2023 é que finalmente foi publicado uma obra digna deste estilo, a saber: Tóquio Zombie de Yusaku Hanajuma, artista de segunda vaga de Heta-Uma. A edição foi da Sendai, editora que tem publicado BD japonesa diferente dos habituais Mangas para putos, e a Associação Chili Com Carne, se me permitem a auto-promoção. 

Mas atraso mesmo? Sim mas há sempre a Hetamoé, uma artista weeaboo com interesse por todas as coisas fofinhas, girly e DIY. É membro fundadora do selo de zines Clube do Inferno e MASSACRE e participou em dezenas de projectos editoriais indies pelo mundo fora. O seu estilo é um "não-estilo", ou seja, apropriando, modificando ou usando maquinaria, Hetamoé usa matéria da cultura Pop japonesa para ditar a sua própria agenda artística, literária e política numa regurgitação mutante - com classe, esta senhora vomita com classe!!! E fofura, que é o que "moe" quer dizer! Para fechar aqui o círculo, foi ela que me ofereceu este CD que já não consigo ouvir mais! Preciso de propofol, por favor!!!!

sexta-feira, 7 de março de 2025

Propaganda

 


Propaganda

de 

Joana Estrela

 

21º volume da Mercantologia, colecção dedicada à reedição de material perdido do mundo dos zines. Editado por Marcos Farrajota e publicado pela Associação Chili Com Carne no âmbito da comemoração da primeira edição desta obra, lançada originalmente pela Plana Press em 2014

A edição teve uma reedição pela autora, ambas redigidas em inglês. 

...

O design do livro foi replicado da edição original desenhada por Luís Camanho e Ana Isabel Carvalho.

CHEGARAM HOJE 500 exemplares!

Já se encontram na Kingpin e Snob...


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A melhor sinopse foi feita por ti, perto do fim do livro: a pessoa que
não sabe o que dizer tem uma t-shirt que diz por ela «I Survived Baltic
Pride 2013». Melhor para mim, então, que já não tenho de o resumir, até
porque um livro de 2014 reeditado em 2025 traz com ele mais história do
que apenas a do ano letivo de voluntariado na Lithuanian Gay League.

Do ativismo, como não raro de eventos culturais, só tende a ficar uma
vaga memória coletiva ou, pior, uma frase numa cronologia. Lembramo-nos
dos anos, das causas e das grandes conquistas, quando as há, mas não do
cartaz que desenhaste ou das reuniões noite dentro. A não ser, claro, na
história oral das pessoas envolvidas. Quantas feiras de livros e
exposições e ciclos de cinema e conversas e grupos mais ou menos
informais se vão fazendo e desfazendo ao longo dos anos, como uma linha
descontínua da energia que cada pessoa a cada momento conseguiu dar? É
que, como sublinhas aqui, a história do movimento é a história de quem
faz o movimento. E a história é lenta.

Quando voltas a Vilnius para apresentar o Propaganda, na sua versão
original em inglês pela Plana Press, fazem-te uma entrevista para o site
da LGL. Perguntam-te sobre literatura portuguesa e ativismo LGBTQ. Entre
outras coisas, respondes que «this is the first comic book that is more
specific on the subject to be published in Portugal». Uma década depois,
isto ainda é verdade.