sábado, 1 de outubro de 2011
Infecção Urinária da Finlândia (II)
Desde o primeiro artigo que escrevi sobre a cena musical finlandesa no número de Abril 2005 do fanzine Underworld / Entulho Informativo, que não deixei de estar atento à música deste país, fascinado com as suas histórias exóticas como a do Tango finlandês (uma caracteristica cultural tão nacional como a Sauna e o Ski!), a dança “vintage” Jenka, a aberração fonética dos Força Macabra (cantam em “brasileiro” sem saberem a língua porque são fãs das bandas Hardcore brasileiras dos anos 80!), o prestigiado Hardcore finlandês criado por Läjä e os Terveet Kädet, o movimento das editoras fonográficas Love (anos 60/70), Bad Vugum / BV2 (anos 90) até à contemporânea Lal Lal Lal, e claro também das tristezas comerciais como Lordi, Korpiklaanis, HIM ou Nightwish. Este “hobbie” pela cultura finlandesa acabou por me trazer a uma residência artística, perto de Turku, entre Setembro e Outubro. É daqui que escrevo as próximas Infecções Urinárias!
Depois de três visitas a Helsínquia nos últimos 7 anos é uma coincidência ter comprado recentemente, na Digelius, um disco que fecha um ciclo de descoberta da música deste país. Tudo começou em 2005 quando ouvi pela primeira vez Arktinen hysteria - Suomi-avantgarden esipuutarhureita (Love Records; 2001), ou se preferirem, “Histeria Árctica, os primórdios da vanguarda finlandesa”. Apesar da sua continuação More Arctic Hysteria / Son of Artic Hysteria : The later years of early Finnish avant-garde datar de 2005 só agora que acedi a este duplo CD.
O primeiro título era uma colectânea que recolhia 13 faixas de música experimental entre 1961 e 1970, com gravações de arrotos, Noise, Electrónica bastante sofisticada com ou sem instrumentos inventados como o “sexofone”, Free-Jazz marxista, Pop-Blues casado com Prog, proto-Industrial, música improvisada, concreta e conceptual “warholiana” como a faixa que repete ao nome do carismático presidente Kekkonen durante 6 saturantes minutos - a voz é de um senhor que lê os resultados de uma mesa de votos das eleições de 1962. Quanto à “sequela” dividiram os dois CDs por décadas, o primeiro concentra-se nos anos 70 e o segundo nos anos 80, podendo haver um caso ou outro que salta desta lógica por razões de aproximações musicais.
É óbvio que os anos 70 são a grande ressaca da loucura dos anos 60, e por isso é menos utópica. Claro que no final ainda irá semear a geração Punk cuja cultura D.I.Y. e individualista irão marcar os anos 80. Talvez por isso que os anos 70 sejam apenas “mais histeria” como sugere o título sem adiantar nada de novo, acompanhando o espirito do tempo como Prog Rock, a electroacústica e Jazz sem extremismos. Invés de rasgos radicais preferem ser fusionistas de estilos, géneros e conceitos, indo até buscar às suas raízes nacionais, instrumentos ou melodias folclóricas enquanto sintetizam os sons de peças de metal ou canas de bambu – que rima com didgeridoo, também ele aqui presente – barulhos de trovões, cães, pássaros e vizinhos a tossirem. Ouve-se sem ofender os ouvidos e serve de guia para novas descobertas do passado que parecem tão contemporâneas como algumas produções experimentais actuais.
Já o segundo CD volta ao caos criativo como foram os anos 60 (registada na primeira antologia) graças ao movimento Punk. Mas há aqui uma diferença, esta geração foi “educada” a ouvir “música diferente” – e basta reunir as ecléticas colectâneas nostálgicas Love Radio (4 volumes, Love) para perceber o que era um “ouvido médio finlandês”. Se o Punk é visto como uma reacção à apatia urbana não deixa de ser uma mariquice anglo-saxónica no que diz à música, porque continuou a fazer Pop/ Rock e cristalizou-se em formatos comerciais. O que este disco colecciona são faixas bastardas de um país cuja cultura musical é bastante diferente à treta inglesa e norte-americana. Os Punks finlandeses tanto sabiam de Jazz como batiam com bonecas Barbie para fazer de bateria. Nem todos foram clonar Ramones ad nauseam – apesar de haver aqui uma versão desconstruída deles feita pelos Silver, uns putos que ninguém sabe quem são.
A própria cultura DIY é neste CD reconhecida e “oficializada” ao ser incluídas faixas retiradas de formatos editorais pobres como k7s e singles de 7”. Quem compilou não teve pudor nenhum em colocar nomes conhecidos como Aavikon Kone Ja Moottori (trad.: Máquina do Deserto e Motores, projecto Noise do referido Läjä), Jimmi Tenor ou Mika Vainio (dos Pan Sonic) ao lado de artistas completamente desconhecidos como Superladex, que em 1981 eram três irmãos de 6, 10 e 19 anos a fazerem colagens sonoras no conforto do quarto… Alguns dos “artistas” recusam a ideia que tenham feito alguma coisa de especial ao ponto para 20 anos depois serem recuperados ou reconhecidos como “vanguardistas”.
Em Portugal não acredito que teríamos nem o conhecimento da história do nossa cultura para serem revistas pela Intelligentsia nem haveria à vontade de colocar Punks de 13 anos ao lado dos Telectu, por exemplo. E talvez esta seja a diferença entre os nossos dois países. Sendo um país nórdico cujo estereótipo seja ser visto como “organizado, frio e sério” consegue ser antes “desorganizado, quente e divertido” tal como os países do Sul da Europa (ou pelo menos como estes últimos são vistos nos nossos preconceitos comuns). E já que falamos de Portugal, do pouco que há de História da nossa música vanguardista aconselho Antologia de Música Electrónica Portuguesa (CD'04; Plancton Music) apesar de ser centrada exclusivamente em electrónica e claro… em gente séria!
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