sábado, 5 de setembro de 2020

Dança narrativa



Falar em narração em Techno fará muita gente rir. Os Metaleiros ou os Progues habituados a histórias da treta de naves espaciais, piratas furries e afins nos seus álbuns conceptuais dirão que não é possível. Talvez até dirão que a música de dança não tem mensagem. A questão da mensagem daria para outro "post", por isso em relação à primeira questão: se toda actividade artística ou intelectual começa com um lápis numa folha de papel, como não julgar que tudo é "BD"? Tudo é texto e imagem - esquece BD, infografia será mais correcto, não? Antes de ser um edifício (arquitectura), um livro (prosa ou BD), uma cadeira (design), uma prótese dentária (medicina), uma escultura ou um quadro (Arte) e... uma música, tudo passa pelo desenho, e do desenho à narração - progressão de imagens ou conceitos - o passo é mínimo, basta pensar nas partituras de composições ou os monitores de programas de música que parecem electrocardiogramas de alienígenas. Desenhando um objecto ou um conceito, imediatamente temos narração.

Johnny Violence ou Ultraviolence deve ser dos poucos "stars" da cena Gabber / Techno a nível internacional, aposto que deve haver dezenas de "stars" holandeses enormes (na Holanda e por lá ficam e ainda bem). Curiosamente foi contratado pela a que era uma das editoras mais perigosas de Metal, a Earache - casa de Napalm Death e Godflesh. Martelinhos fodidos no catálogo de referência do Grindcore? Tempos estranhos nos anos 90 que pelo menos a editora pensou que ia haver uma união entre a drum-machine e a guitarra suja - nada de impressionante se pensarmos nos universos contestários anti-sistema das Raves e dos Metalpunks, e a velocidade e volume sonoro também de ambos. Enfim, escolheu-se a timeline errada para nós habitantes da Terra-616 e cada um dos gêneros correu o seu caminho descendente. Mas voltando ao bicho inglês, em Psycho Drama (Earache, 1995) ele cria uma ópera-gabber! Um "Romeu e Julieta" desta era do abuso sexual e drogas sintéticas, um Natural Born Killers de pacotilha, acompanhado por um libreto (o booklet do CD), que permite acompanhar a história desenvolvida neste álbum... conceptual. Sobretudo é um disco instrumental como qualquer disco de dança em que aparecem alguns excertos - "falas" ou "versos" numa veia vocal devedora ao House - que vão criando uma narrativa desde as nascença dos dois personagens principais, uma Pop Star agarrada e um Assassino profissional com coração de Adamantium, até ao seu encontro e "final feliz". Mais não conto, nada de spoilers ó caralho!

Um ano depois, Shocker (Earache), é um álbum normal, isto é, uma colecção de músicas como são todos os álbuns. No meio da violência da martelada Hardcore, mais uma vez o livrinho do CD revela narração, neste caso de faixa a faixa. Cada uma além de revelar os BPMs envolvidos tem uma nota explicativa do assunto, por exemplo a faixa The Hardest Gabba o assunto é sobre "Nada. Isto não é Techno inteligente. Que se foda o Techno Inteligente". Sei que é o pior exemplo para dar mas não resisti, vá, há faixas sobre suicidas, guerras, Wagner e fazer anos. Por fim, duas curiosidades, a primeira faixa, 2 kicks for yes, Violent é entrevistada por uma sensual fã de Gabber e responde com dois "kicks" para sim e um para "não", afinal os martelos também podem comunicar; e, Burn out entre um record mundial de 20 000 000 BPMs cria o Extratone sem o saber...

Este texto foi patrocinado pela iminência da chegada a Portugal do próximo livro do DJ Balli sobre o Gabber & Futurismo. Estejam atentos, gabbas!



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