sábado, 24 de abril de 2021

Que giro!



Apesar da Neat Records ser especialista em Punk e derivados, de lá tenho é trazido pérolas sessenteiras & psicadélicas mais que rock com picos. Primeiro choque, o primeiro álbum dos Alice Cooper. Que apesar do vocalista já assinar com esse nome ainda era uma banda - pois, o Marilyn Manson não inventou nada. Pretties for you lançado em 1969 é um choque não porque já haja aqui Hard Rock / Shock Rock / Arena Rock que se conhece de Alice Cooper e as suas jiboias em palco, mulheres decapitadas e outros truques de palco mas porque é um álbum de rock psicadélico, até convencional, porreiro, orelhudo e com pedaços estranhos de "experimentalismo". Mais para Pink Floyd ou Beatles do que que Black Sabbath ou Steppenwolf. Mesmo a capa de Ed Beardsley engana, parece mais um disco de post-punk tipo Gang of Four do que dos anos 60 e a sua estética ácida. Dizem que o Frank Zappa foi o produtor mas que não produziu nada, aparece que despareceu enquanto gravavam e quando voltou disse que 'tava feito. Por acaso o disco é muito cru - os Beatles ou Pink Floyd não teriam um disco assim - mas justamente por isso que soa bem, som bonitinho Poppy mas com uma sujidade entranhada tipo caspa, unhas sujas, cuecas borradas, ramelas, cera nos ouvidos e ranho. Depois disso, os discos da banda e vocalista perderão interesse apesar da sua importância juvenil que teve ao longo dos anos 70 e depois disso - de Ramones a Rob Zombie, dos Sex Pistols aos Guns'n'Roses... E a Queens of The Stone Age - soam bués a este disco...




Cauldron é um álbum de 1968, o único dos Fifty Foot Hose e percebe-se porque se transformou num disco de culto para gente como os Throbbing Gristle. Se aparentemente o disco promete psicadelismo simpático tipo Jefferson Airplane com um uso da Electrónica possível na altura - tal como os seus contemporâneos White Noise ou Silver Apples também começam a explorar - aos poucos o disco vai-se transformando num pequeno monstro de transístores torturados, sons cósmicos e Noise Rock antes do tempo. Uma reedição de 1996 que inclui faixas raras, então, dá a impressão que foi mesmo preciso limpar o experimentalismo barulhento da banda antes de gravar um disco prás prateleiras do comércio. GRANDA-MALUCOS!

terça-feira, 6 de abril de 2021

#29: A Fábrica de Erisicton

 


O fanzine Mesinha de Cabeceira voltou numa onda de "back to the basics" após cinco anos de ausência. Este retorno às origens humildes de uma tiragem baixa de 100 exemplares, como fanzine / zine / perzine (riscar o que não interessa), tal como em 1992 (ano do primeiro número) tem a razão de ser para dar voz a autores desconhecidos / novos / fora de qualquer radar (riscar o que não interessa).

Começamos com A Fábrica de Erisicton de André Ferreira que é uma BD eco-psicadélica inesperada sobre a destruição do Alentejo pelas culturas super-intensivas que se praticam. O grafismo é tão naíf como visionário, com poucos sítios para segurarmo-nos se não fosse o facto da mensagem ser tão desesperante. O aviso já pouco serve, o Destino está traçado, como se vê nestes anos estranhos que vivemos, em que nada mudou em termos de atitude ecológica, a borregada quer é viajar e poluir. 

Resta-nos estes pedaços de arte colorida e imaginativa em singelas 24 páginas. 
Obrigado André!



Mesinha de Cabeceira #29, edição da Chili Com Carne, Abril 2021, 24p a cores 18x25 cm, capa a cores, 100exemplares.



ESGOTADO, ainda devem encontrar exemplares na Linha de Sombra, Neat Records, Snob, Tigre de Papel, Tinta nos Nervos, Utopia, Alquimia e na ZDB.



sobre o autor: faz música sob o nome de Goran Titol - que poderá participar este ano numa colectânea da nossa série Música Portuguesa a Melhora-se Dela Própria -  animação em técnica de "stop-motion" com ajuda da Mãe Natureza e é autor da BD tendo participado na antologia Venham +5 e com o livro a solo Ouro Formigas (2013), ambos publicados pela Bedeteca de Beja.


 FEEDBACK: 

Panfleto libelo anti-destruição da natureza em nosso torno, disfarçado de reconto mitográfico psicadélico (...), breve passeio alucinado que deveria antes servir de guia para redescoberta da nossa paisagem e manual de instruções para a sua recuperação... 

segundo a Tinta Nos Nervos 


 Fico espantado com a quantidade gigantesca de livros que são publicados actualmente. Florestas inteiras de papel impressas com todo o tipo de inanidades e de vacuidade. A esmagadora maioria vai, certamente, acabar nas debulhadoras de reciclagem, resultado da mais completa indiferença e esquecimento. 

No entanto, as paredes e sombras erguidas por estes livros inanes ocultam e obliteram os outros livros que valem a pena a ler, soterrando-os para os confins da vista. A Fábrica de Erisicton é um manifesto eco-activista inspirado no livro VIII das "Metamorfoses" de Ovídio, baseando-se na história da mitologia grega do rei Erisicton que depois de cortar com um machado uma árvore sagrada, é castigado com uma fome insaciável, que o vai obrigar a devorar-se a si próprio. 

A sobre-exploração dos recursos e da terra pelas culturas intensivas que se multiplicaram na paisagem alentejana, são o pano de fundo desta metáfora desencantada. 

O desenho colorido psicadélico e naif de André Ferreira, profundamente poético sem ser panfletário, devolve-nos uma imagem irreal e delirante, mas simultaneamente tão próxima e implacável, resultante de um capitalismo tardio, cujo último estertor prolonga-se agonizante, mas sem permitir vislumbrar o que se seguirá. 

Como assinalou Mark Fisher "o capitalismo está de facto talhado para destruir todo o meio humano. A relação entre capitalismo e desastre ecológico não é uma coincidência nem um acidente: a «necessidade de um mercado em constante expansão» do capital, o seu «fetiche do crescimento», significa que o capitalismo se opõe pela sua própria natureza a qualquer conceito de sustentabilidade." 

Com toneladas de livros inúteis espalhados por todo o lado, a edição de singelos 100 exemplares de A Fábrica de Erisicton está esgotada, o que se lamenta, pois este volume devia estar permanentemente disponível e com o autor em digressão ininterrupta pelas escolas, integrando um plano de leituras e de discussão transversal a diversas disciplinas curriculares.

My Nation Underground



Entrevista no P3 / Público