terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Industrial é quando um homem quer...


Public Enemy : Fear of a Black Planet (Def Jam / Columbia; 1990)
Throbbing Gristle : 20 Jazz Funk Greats (Industrial / The Grey Area / Mute ; 1991)

O Camarada Fom Fom ofereceu o LP dos Public e o CD dos Gristle como prenda de Natal há duas semanas... é assim mesmo, o Natal é quando um homem quer!
Belas prendas, estes terceiros álbuns destas importantes bandas. 20 Jazz Funk Greats é de 1979 com uns Throbbling Gristle menos "agressivos" - embora esta reedição tenha dois temas extras de "industrial marcial" - e mais Electro, quase a dar um passo para Psychic TV. O melhor ainda assim é a capa que simula o imaginário de "Pop/Rock campestre" dos anos 60 com os elementos da banda vestidos como gente normal numa paisagem verdejante, a ironia é que a localização era um dos spots da Grã-Bretanha onde se concretizavam o maior número de suicídios. Os TG cunharam o termo Industrial à nova música realizada por uma geração que gozava de novas formas de tecnologia para criar e difundir música, uma Era da Informação que em poucas décadas daria na Era do Digital. O termo musical relacionava-se com a ideia da Revolução Industrial, em que óbviamente a relação do "homem-músico" com as máquinas iria mudar, tal como a partir do século XVIII a vida do Homem iria mudar para sempre. 
Apontemos à Revolução Industrial a poluição e ruído, o consumismo frenético, o aumento da área produtiva dos serviços, não-especialização da mão-de-obra, a urbanização / abandono dos campos, a miséria e explosão demográfica, o aumento da velocidade dos transportes, o capitalismo moderno, a difusão de ideias democráticas e sociais, nacionalismo e militarização, etc... Na música pós-punk e pós-Industrial - impossíveis de os separar porque partilham o mesmo momento histórico e os modelos de produção - também iremos encontrar mudanças idênticas na música: uso do ruído das máquinas e processos mecânicos (concretos), consumo excessivo facilitado com a oferta de auto-edição e edição independente, produção e disseminação de música através de tecnologia caseira (o gravador de k7, o estúdio caseiro e o movimento tape-trading), aumento de artistas não-músicos (sem qualificações académicos ou formação), invenção de instrumentos e o uso de objectos como instrumentos (como o gira-discos), auto-gestão, fetichização por objectos de culto (edições limitadas), segmentação dos públicos (tribos urbanas, subculturas, elitismo), ritmos maquinais (techno), o sampling, a remix e o mash-up,... 
Ouvindo este álbum dos Publico Enemy - considerado a sua obra-prima e umas das obra-primas do Hip Hop - também não deixo de pensar que há algo de "Industrial" na sua essência - aliás, não é a primeira vez que faço essa analogia -  pelo facto de haver tipos com uniformes e símbolos militares no universo imagético da banda, discurso público, uso de samplagem de mass-media (música Pop, rádio, TV), uma preferência do trabalho de estúdio e conceptual que não passa necessáriamente pela execução por músicos formais, caos sonoro desbravando terrenos novos no mundo dos sons e o escândalo que causa aos moralistas de sempre.
De resto,  este é um disco que se aproximaria do fim da "Era de Ouro" do Hip Hop porque nos próximos tempos este tipo de música seria perseguida pela ganância das editoras para o pagamento de "royalties" de samples usados. Por volta de 1992, ou o pessoal era rico, como o beto do Beck, para conseguir licenças dos excertos samplados ou então estava sujeito a multas e destruição do trabalho - embora tenham sido os brancos John Oswald e Negativland que sofreram mais com estas perseguições. Daí a maioria do  Hip Hop tornar-se-á pobre sónicamente falando. Basta ouvir um pedaço deste disco e sente-se imediatamente o excesso de informação sonora (dezenas de samples), para além de uma velocidade louca, coisa que não se sentia nos dois discos. Estes eram mais brutos e ruidosos, quase tão marciais como o Industrial clássico de uns TG.

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