terça-feira, 18 de outubro de 2005

Entulho de Marte (in Underworld #17; Out'05)

«And let us never forget that the human race with technology is like an alcoholic with a barrel of wine» - FC

Tudo estava inventado como música (Noise, Dub, Reggae, Rock, Metal, Electrónica, Jazz, Hip-Hop,…) quando saiu Scum (Earache; 1987) dos Napalm Death e sem ninguém saber eles decretaram a morte da música ao demonstrar que era possível fragmentá-la em pedaços minúsculos – não é à toa que haviam digressões da editora Earache intituladas “Campaign for Musical Destruction”. Bem… a música não morreu e na realidade o que aconteceu é que o Grindcore acabou por inspirar uma nova vaga de compositores e bandas como John Zorn que inclusive chegou a trabalhar com um dos cabecilhas dos Napalm, Mick Harris nos Painkiller.
Dada à volatilidade da cena, Depois Napalm Death, a própria banda tinha de se desintegrar (1) e a música ficou a lamber as feridas, passando à fase de redundância como é normal em qualquer situação de ruptura: segue-se um período de adaptação e absorção. Num mundo narcotizante como o nosso já quase nada nos (co)move de tão fartos que estamos de tudo, regredimos a um estado de consumismo estéril em que mastigamos tudo o que já foi vomitado há anos porque assim é mais reconfortante. “Revival” atrás de “revival”, “comeback” atrás de “comeback” assim tem andado a última década da música urbana. Nem interessa se o concerto dos Queen não tenha o Freddie Mercury e não passe de um show de karaoke, qualquer merda serve! Isto para chegar a Conspiritus (Earache / Megamúsica; 2005) de Ewigkeit, um disco idiota da mesma editora que durante nos fodeu os ouvidos com géneros tão extremistas como Death, Industrial, Grind e até Gabba… Ao que parece o Rock Progressivo está a voltar – claro, o que há mais para fazer revivalismo? - ora com exumações de corpos antigos ora com novas gerações de músicos, estes últimos ou com ideias de 40 anos ou outros mais inteligentes com novos artefactos para explorar como o “drone” em que os sunn O))) serão a figura de proa desta vaga.
A verdade é que o Prog nunca esteve morto sobretudo no Metal que pegou no seu legado de instrumentações virtuosas ou de imaginário freaky: lendas épicas, mundos imaginários, histórias longas que aproveitam o formato de Longa Duração – os famosos álbuns conceptuais. E se houve que fizesse um bom trabalho como Atheist (recentemente reeditados), Cynic, Tool, Meshuggah e o seu recente Catch 33 (Nuclear Blast; 2005), não esquecendo o álbum a solo do seu guitarrista, Fredrik Thordendal's Special Defects: Sol Niger Within (Nuclear Blast; 1997) e Theory in Practice, ou ainda bandas Indies-Pop/Rock como Radiohead (últimos discos); também houve quem tivesse posto a pata na poça, ou seja os marmelos que fizeram a colagem ao Heavy antigo dando num híbrido tenebroso, o Power Metal – acreditem que nem vale a pena fazer download de coisas como Dream Theather para tirar as dúvidas! Perdi-me outra vez! Isto por causa de Ewigkeit, um projecto de inspiração pinkfloydiana tão útil como berlindes durante uma cópula entre dois rinocerontes, que faz música sintética e melódica até à medula. Mistura Electrónica e Rock Pesado com uma valente piscadela aos Killing Joke e aos terrenos abordados pelos My Dying Bride em 34.788%... Complete (Peaceville; 1998). Ewigkeit é assim tão mau? Infelizmente sim! Porque apesar não ser muito foleiro em relação a outros discos do género continua a ser um produto de fácil consumo de tão bem feito e orelhudo que é. É de um Metal modernaço e só deixa tudo a perder quando usa um Folk à la New Age na música Theoreality conseguindo assim mostrar o mau gosto do seu compositor - isto para não falar da capa foleira feita por arte digital. Então qual é a solução? Afundar o Prog para entranhas do Inferno de onde nunca devia ter saído?

Os nomes para os “géneros” de som irritam-me! A principal razão porque criam barreiras que nos impede de ouvir uma banda só porque é… (ex:) Prog. Devo admitir que nunca quis ouvir Prog por uma espécie de preconceito Punk (2). Ainda dei o benefício da dúvida escutando um disco de Genesis ou outro… Que horror! Como é possível ter havido uma cena tão pretensiosa como esta!? Por coincidência cósmica não foi só Ewigkeit que me chegaram às mãos mas mais outros 3 discos que me abalaram o sistema – podiam ser eles definidos por Prog? Fiquei curioso em saber o que era realmente este género, vesti a gabardina de detective musical e fui a uma loja especializada - na Calçada do Carno (3). Lá comprei um CD dos Magma que já tinha ouvido falar por gente insuspeita como o Jello Biafra (na revista Re/search #15). Infelizmente só havia um Live (Charly; 2001) de 1975 mas com um bom som de gravação. Os Magma são franceses, criaram a sua própria língua que cantam (o Kobaïan), são instrumentalmente sombrios buscando estruturas da música clássica e fusão. É operático mas não histérico, o que é bom. A faixa inicial tem meia hora mas ouve-se bem… Ok! ‘Tou convertido! Terei mais calma de futuro e prometo ouvir melhor os dinossáurios! Especialmente estes tipos que criaram um subgénero, o Zeuhl (que significa em kobaïano “celestial” - mais uma razão para não gostar de rótulos não é?) que inspirou bandas japonesas como os Ruins.
Entretanto ficam aqui as “pérolas” que me baralharam tanto:

I.
A mirror is a window’s end (Beardhead; 2005) é composto por 3 músicas quase todas de 10 minutos e trata-se do EP de estreia dos alemães Beehoover que são apenas 2 gajos: I.Petersen (voz, baixo) e C.-P.Hamisch (bateria, voz). Os temas são complexos, um Rock pesadão como se os Clutch estivessem a fazer versões dos Kyuss na garagem. Denso e atmosférico (sem ser “ambiental”) é de referir o som torpe do baixo modificado de Petersen que substitui completamente o som de guitarra. Um nome a reter no futuro. [www.beehoover.com]
II.
Por falar em duos, foi lançado o 4º disco de Orthrelm: OV (Ipecac / Sabotage; 2005). OV é um tema de 45 minutos em que se repete o mesmo riff de guitarra Heavy ad eternum et ad nauseum (de Mick Barr) com uma bateria (de Joshua Blair) a acompanhar. A guitarra lá pára de vez em quando (a primeira vez é aos 22 min.) para pequenos delírios de percussão. Se o Prog nos anos 70 foi buscar o sentido erudito da Música Clássica ou do Jazz para aplicar ao Rock, então os Orthrelm mantêm essa linha pois o que está aqui é a música minimalista desenvolvida por Tony Conrad. Por isso eles são o “refresh” do Prog, longe do barroco pindérico da orquestração e perto do conceptualismo da Contemporânea e usando as franjas técnicas do Metal e da Música Improvisada. Não é fácil ouvir este disco mas que é uma importante experiência sonora lá isso é.
III.
Sleepytime Gorilla Museum Of Natural History (Web of Mimicry / Sabotage; 2004) não é só mais uma banda vinda da família Mr. Bungle apesar de serem lançados pela editora de um elemento dos Bungle ou por serem mais um bando de multi-instrumentalistas sem preconceitos. Tematicamente ou instrumentalmente poderá satisfazer fãs de Secret Chiefs 3, Einstürzende Neubauten, Skeleton Key (há um membro em comum), Death in June, Diamanda Gálas, Ministry, Gentle Giant (uma banda Prog dos anos 70) e mais 1001 coisas. Álbum dedicado ao “museu de história natural do gorila adormecido” que “estuda” a evolução da humanidade e dos invertebrados. São desenvolvidos temas apocalípticos do confronto entre manifestos belicistas dos Futuristas italianos e os anti-progressistas (passe a ironia) do último anarquista do século passado (Unabomber e o seu consanguíneo Freedom Club). A embalagem é acompanhada por resumos desses manifestos, um ensaio sobre entomologia e várias imagens de emulação humanos/invertebrados. Estamos perante um álbum conceptual. Este facto e a complexidade das composições obrigam-nos a defini-lo como Rock Prog por muita confusão que isso poderá fazer aos puristas. Um disco poderoso e conquistador.



(1) A maior parte dos membros seguiu carreiras em intermináveis projectos bastante diversificados (Metal, Industrial, Dub, Improv), alguns inventivos (Godflesh), outras menos (Cathedral) mas sempre de alta qualidade, deixando os Napalm numa banda “oca”, ou seja sem coisas “novinhas em folha” para dar em que tal como os Rolling Stones (vestidos de t-shirts e calções pretos) é preciso vê-los pelo menos uma vez na vida!
(2) Punk que é Punk NUNCA ouve balofos dos anos 70!
(3) www.progcds.com para quem não gosta de sair de casa. Também organizam um festival de Prog em Gouveia lá para a Abril.

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