É verdade que basta um “clique de rato” – já um anacronismo por causa dos botões dos portáteis – para acedermos ao Rock dos anos 60 da Coreia do Sul ou ao EBM norueguês dos anos 90 ou (inserir um género musical, uma década e uma nação) sem ter de viver no espaço-tempo circunscrito. A cultura digital permite um “eterno presente” sobre qualquer matéria mas não substitui a descoberta de objectos culturais físicos, sobretudo numa viagem ao estrangeiro. A minha viagem à Finlândia, entre Setembro e Outubro, foi uma residência artística numa terra longe de lojas ou sítios de concertos, por isso o meu consumo de música finlandesa foi homeopático. Acedi a discos quando consegui sair da residência, como por exemplo, em meados de Setembro, estive no Festival de BD de Helsínquia, a representar a Chili Com Carne e MMMNNNRRRG, e fui à Digelius sacar mais “Histeria Árctica”. Durante o Festival propriamente dito também adquiri algo mais, na tenda dos zines talvez por ser um inferno para ver as coisas como deve ser devido à pequena dimensão do espaço para tantos visitantes, acabei não por comprar BD mas CD! O que não me chateia muito, não dou tanta importância à cultura bedéfila como isso...
Comprei o primeiro álbum de Arka, Naamio (Siko Records; 2009) pelo seu aspecto curioso que acaba por ter alguma raiz Pop de bd... É embalado em cartolina cinzenta onde está colada uma mascara de ladrão ou de super-herói (tipo Robin), para sacar o disco da embalagem é preciso despregar o botão da fita da máscara. Depois disso temos música electrónica que faz passagens pelo Acid-Jazz e pelo Lounge Glitch, lembrando alguns foguetes lançados no passado como os Sad Rockets ou os conterrâneos Space Rockets – dos quais aconselho o mini-disco Bez Kalhotek. Para dizer a verdade nem sei ao certo se Arka é finlandês, quase nenhuma informação existe na internet, a pouca que há apresenta um deus sírio ou uma língua criada em 1991 para um jogo japonês. Sobre esta também existe pouca informação, apenas que é a língua com mais palavras inventadas (cerca de 15000). Arka, o projecto electrónico também é um mistério de intenções que não se porta bem na sua produção, muitas vezes colidindo com a experimentação e o psicadelismo. Não seria um CD que deixaria tocar num hall de hotel!
Supondo que Arka seja finlandês, fará sentido o tipo de som que desenvolve. A tradição de música experimental na Finlândia é longa, bem difundida (pelo menos nacionalmente), de qualidade e cheia de “heróis” ou figuras distintas como Pekka Streng (1948-1975), rapaz do campo que veio prá “grande cidade” de botas de plástico - como se identifica um finlandês numa multidão? Pelas botas de plástico! Morreu jovem, vítima de cancro, mas foi basilar no Rock Progressivo finlandês por misturar Folk, Jazz, Rock e música experimental em dois álbuns apenas, o primeiro com a banda Tasavallan Presidentti, Magneettimiehen Kuolema (trad.: A Morte do Homem Magnético) de 1970 e o segundo Kesämaa (trad.: Casa de Verão) de 1972, ambos pela lendária Love Records, foram reeditados em CD em 2003 com temas extra. Canta na língua que só 5 milhões de podem perceber, fazendo a sua percepção complicada para os outros humanos! Mas não deixa de ser uma experiência curiosa ouvir os discos mesmo não percebendo as letras. Na essência ouve-se uma música acústica, quase sempre calma e contemplativa, de texturas pastorais com rasgos de Jazz, de sons concretos e loops numa altura que não era habitual fazer loops,... sobretudo o primeiro é mais virado para experimentação e merece o seu estatuto seminal. Alguns momentos podem ser mais irritantes por alguma exaltação vocal – numa língua que nada nos diz – o segundo sinceramente mais acústico e tranquilo tem uma coerência formal que resulta melhor. Curiosamente uma das faixas tem uma letra da Tove Jansson, criadora dos emblemáticos Moomin, personagens de livros infantis e tiras de bd dos anos 50 - estas últimas têm sido reeditadas e premiadas no Canada e França.
Para finalizar, outro disco Prog de 1972, considerado la creme de la creme do género na Finlândia, a estreia homónima dos Haikara – reedição em CD pela Fazer Records, em 1998. Também cantam em finlandês e podem ser posicionados entre os King Crimson e os Magma. Pessoalmente acho as primeiras duas faixas parvinhas por serem circenses ficando o melhor do disco nas últimas três restantes músicas que entram num registo psicadélico, com cada tema a chegar aos 10 minutos, cheio de maneirismos Jazz, numa atmosfera cool. A capa também é porreira, faz-me pensar o quanto melhor será este disco em formato LP!
Sem comentários:
Enviar um comentário