A Sara Figueiredo Costa escreveu sobre o Mesinha #23 na revista Ler:
Experiências e Abanões
O volume em formato de bolso, com a lombada a deixar as entranhas da encadernação à mostra, não parece enquadrar-se no universo fanzinesco, mas este Inverno é mesmo o número 23 do Mesinha de Cabeceira (MdC), fanzine já mítico editado pela Chili Com Carne que cumpriu recentemente duas décadas de vida.
Na introdução, o editor Marcos Farrajota fala dos vinte anos da publicação com o à vontade vernacular que o caracteriza e explica que o primeiro MdC nasceu da necessidade: não havendo publicações dispostas a acolher a sua produção, a de Pedro Brito (o outro editor do fanzine, nos primeiros anos) e a de vários autores que começavam a experimentar os terrenos da banda desenhada, criaram uma que o fizesse e ainda experimentaram a satisfação da vingança. O que talvez não tenham imaginado foi o potencial que se guardava naquelas primeiras páginas, em 1992, e que haveria de desenvolver-se numa teia de colaborações, experimentalismos, abanões estéticos e narrativos de toda a espécie e a capacidade de manter uma publicação arejada e vibrante ao longo de tanto tempo. De tal modo que quem queira, hoje, conhecer o que se faz no campo da banda desenhada de autor e com poucas preocupações comerciais pode continuar a usar o MdC, e concretamente este número 23, como guia fiável.
A lista de autores inclui vários suspeitos do costume, presenças habituais neste universo editorial que aqui confirmam a evolução natural que duas décadas de persistência e talento permitem (casos de João Fazenda, João Chambel, Filipe Abranches ou Bruno Borges), e algumas colaborações novas, como Sílvia Rodrigues, Uganda Lebre ou Lucas Almeida, entre muitos outros. Desta colecção de nomes e trabalhos resulta um gesto que mantém em forma elevada aquilo que a Chili sempre conseguiu produzir nas suas antologias de maior dimensão: uma babel de traços e estilos numa estranha e inquietante harmonia, o que dá ao volume uma coerência que não pode ter sido planeada mas que é o melhor exemplo dos motivos que mantêm estas pessoas a trabalhar juntas há tanto tempo. E se a coerência do conjunto não nasce do traço ou do estilo, é provável que se deva aos temas, uma radiografia nítida daquilo a que chamamos ar do tempo, com o tom apocalíptico, o peso do desperdício, a contaminação (real, nos montes de lixo que excedem da indústria de consumo e ocupam os campos, e visual, nas manchas que parecem alastrar como fungos) e uma certa ideia de no future que deve muito ao punk, mas deve ainda mais aos dias que vivemos.
sexta-feira, 3 de maio de 2013
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