Secret Chiefs 3 : Traditionalists : Le Mani Destre Recise Degli Ultimi Uomini (
Web of Mimicry; 2009) ;
Masada Book 2 : Book of Angels 9 : Xaphan (
Tzadik; 2008)
Os Secret Chiefs 3 (SC3) voltaram a Portugal em Junho deste ano, e apesar da sala de espectáculos da ZDB cada vez me atrofiar mais, lá fui ver um bom concerto. Tal como a
primeira vez no Plano B (em 2008) tive mais uma vez a hipótese de conversar com o mentor Trey Spruance, que também aceitou trocar discos seus por livros da MMMNNNRRRG. Realmente, tenho andado desatento às novidades musicais desde que deixei de escrever para a Underworld e a Elegy Ibérica. Nem sabia dos últimos discos de SC3… Heresia!
Começo pelo último,
Le Mani Destre Recise Degli Ultimi Uomini, que é o primeiro álbum das seis bandas inventadas para o
Book of Horizons (Web of Mimicry; 2004). Os Traditionalists são a faceta italiana de Spruance, onde reina Ennio Morricone, Goblin entre outros compositores de bandas sonoras para filmes
giallo*. Trata-se então de uma recriação em que a qualidade sonora da gravação e de produção mimetiza o género com uma perfeição técnica. A dada altura é essa qualidade que permite o disco ser uma pérola - este é o caso em que a cópia torna-se melhor que o original. Há malhas, riffs, pedaços que qualquer conhecedor das "bandas sonoras originais" irão reconhecer imediatamente e acusar Spruance de roubar à "cara podre". Parece-me que o roubo é assumido mas sem entrar no jogo medíocre da "homenagem" ou do "tributo". É óbvia a admiração de Spruance pelo "género" e parece que há apenas uma vontade de fazer um "up-grade" técnico sem propriamente inovar nada com outras contaminações estilísticas embora neste disco os sons concretos sejam mais assustadores, as mudanças de trechos são maiores e o Free aparece com mais frequência, não fosse isto SC3 / Spruance – afinal o gajo punha sete estilos diferentes de música na mesma canção dos saudosos Mr. Bungle! Mas tudo aqui é direccionado para o passado. Talvez seja desinteressante ou abusivo mas se todos aceitam bandas Pop/ Rock rapinarem eternamente os mesmos cadáveres (Pop Will Eat Itself!), algumas descaradamente quando são famosas, outras de forma mais discreta quando são "underground", não há neste disco nenhum dano moral à Humanidade e Cultura.
E isto traz-nos para a obra-prima que é
Xaphan. Ao que parece John Zorn no seu projecto Masada criou umas 300 novas composições para outros músicos tocarem. Todas elas têm nomes de anjos judaicos e cristãos - o que prova que o monoteísmo sempre foi uma treta falhada porque não resiste nem um pouco a “divino-diversidade” politeísta, acrescentado ao Senhor uma miríade de anjinhos, demónizecos ou uma infinidade de santinhos, mártires e outros bichos. Pergunto-me, uma vez que nunca ouvi Masada, se estas composições são mesmo do Zorn? (Vou arranjar problemas!) Ou até que ponto houve uma execução exacta das directrizes de Zorn ou se existe uma lógica do "jogo" desta série de composições e discos? Será que este
Masada Book 2 é como o
Cobra, que deixava (alguma) margem de manobra para os músicos? Sinceramente não sei… Teria de investigar uns 17 volumes / CDs que saíram da série que inclui monstros como Marc Ribot, Uri Caine, etc… Adiante… Este disco é pura e simplesmente brilhante. Todo ele é uma "world music" que não existe, e isso não espanta! Porquê? Porque a "world music" ou o folclore não existem, são invenções da terrinha que capitaliza os seus costumes mais "typical" numa nova roupagem pronta a ser consumida por turistas e outros abutres sedentos de originalidade. O fenómeno do "etno" há muito que não passa de uma réplica de "artesanato de aeroporto", basta pensar que todo o nosso folclore, por exemplo foi criado pelo Estado Novo. Neste disco os SC3 englobam música árabe, cigana, klezmer, surf, exotica, reggae, as tais músicas de filmes giallo, metal, jazz, free, em tal fusão que não sabemos mais o que poderá significar "World Music". Podemos chamar a esta música de "toda a música"? "Música de (todo-)Mundo"? Se a Aldeia Global reduzisse toda a sua música a uma rodela digital de 55 minutos e 27 segundos teria de soar a isto. Talvez não, talvez não houvesse músicos com este elevado nível de execução... Mas aconteceu! O disco foi feito! O Mundo não mudou desde 2008?
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Giallo são filmes de produção italiana dos anos 60/70 de género criminal e fantástico, onde se cruzam detectives, vampiros, paranóia e psicadelismo. A expressão vem de livrinhos populares impressos em papel amarelo, correspondente aos “pulps” nos EUA. Curiosamente mas sem relação, pode-se pensar nisto como a expressão “impressa amarela” - sensacionalista e popular como o
Correio da Manhã.