domingo, 31 de julho de 2011

Apolo Negro


Ruy Mingas : Temas angolanos (Orlador / Círculo de Leitores; 1976)

Mais uma vez na Feira da Achada a descobrir música africana graças a capas lindas - que reforça a teoria que qualquer capa de LP é melhor que de CD - embora este já o conhecia de outras andanças. O vermelho sobre laranja quase parece serigrafia mas parece que passo a vida a coleccionar mistérios editoriais fonográficos. Procurem na 'net por este disco e aparecem outras capas e pior a versão CD de 1999 (creio) com uma capa de Mingas com ar tecnocrata e velho. 
Outro músico africano que depois da carreira musical que se tornou ministro e/ou embaixador, talvez porque não é do "povão" (classe baixa, sem educação, etc...). Mingas é bom de se ouvir mas é óbvio que o que canta e a produção que o acompanha está mais perto de uma burguesia ou de uma classe média educada - até há pianinhos aqui e acolá. Não é para encontrar aqui a Africa selvagem mas a África da melancolia e da beleza infinita... Mesmo que seja em forma de postal.

quarta-feira, 20 de julho de 2011

David Soares (a), Jorge Coelho, João Maio Pinto [et al.] (d) : É de noite que faço as perguntas (Saída de Emergência; 2011)

Eis um livro que sofreu atrasos como se pode constatar pelo tema que é sobre os 100 anos da República e que deveria ter saído o ano passado no Festival de BD da Amadora. Devido a complicações editoriais só agora é lançado pela Saída de Emergência, uma editora especializada em Ficção Científica e Fantástico e que tem matado muita sede a muita gente que gosta destes géneros literários, para além de ter publicado os fabulosos romances e contos de David Soares.
Trata-se de uma encomenda institucional para as Comemorações dos 100 anos da República mas em que a "qualidade" da "dita senhora" é questionada por David Soares, que escreve todo o livro para cinco ilustradores diferentes - como o novato André Coelho e o veterano Richard Câmara. Invés de comemorar de forma canina, o livro é sóbrio ao explorar as virtudes e os defeitos da Primeira República. O texto tem pertinência e inteligência mas como produto final acaba por fazer perder a força do argumento de Soares.
Aliás isto não é um "livro", peço desculpa, é um "álbum de bd", de tamanho parvo e colorido imposto pelo anacrónico Festival da Amadora. Os desenhadores, todos eles de talento reconhecido, talvez não se sintam à vontade com este formato e sente-se uma rigidez qualquer que irá afectar também a narrativa. Ainda assim, se este for o futuro da bd portuguesa na vertente "histórica-por-encomenda" (porque a bd é sempre vista como uma boa maneira de explicar História portuguesa para putos e iletrados) estamos muito bem servidos. Soares sabe pegar na matéria-prima histórica sem a abordar de forma patriótica, ou pior de forma "factual-pedagógica". Como bom escritor de romance histórico que é soube dar a volta para que a estória deste álbum fosse interessante de se ler.
Eis um álbum que está nos antípodas das produções do Antigo Regime (que ainda hoje pupulam por aí devido à ignorância das autarquias e outras instituições públicas) e que está ao lado de trabalhos como História de Lisboa (de A.H. Oliveira Marques e Filipe Abranches) ou Salazar : Agora, na hora da sua morte (João Paulo Cotrim e Miguel Rocha). É bom assistir ao facto de ser uma editora sem ser de bd a pegar neste álbum. É uma esperança que assim este álbum tenha mais facilidades de ser divulgado e distribuido num mercado livreiro que não quer saber da bd para nada. Apesar das letras manhosas do título que conseguem destruir a capa fizeram um bom trabalho de produção gráfica. Uma experiência a repetir?
Por fim, de salientar o trabalho de Daniel da Silva, que entretanto também ilustrou o novo romance de Soares, Batalha (Saída de Emergência; 2011), um desenhor em estreia no campo da bd apesar de já ter um trabalho de ilustração há muito tempo - inclusive foi publicado no Mutate & Survive.

Quagrandabosta!


v/a : Novos Talentos FNAC 2011 (FNAC; 2011)

40 bandas, 2 CDs e as s vendas vão prá AMI apoiar infotecas, ou seja, para combater o infoexclusão. Mais vale ser info-excluído do que fazer parte deste mundo "informado", sem talento e de betos foleiros. Tão informados que são que puseram um bloco amarelo em cima do desenho do Pedro Zamith. Não sei se é porque tudo é tão bem-comportado que a única coisa que sobresaí daqui são uns tais de O Experimentar Na M'Incomoda que ainda não percebi se tem mesmo piada ou é puro desespero meu.
Ah! Este disco é bom por uma coisa, se estiver na dúvida de ir ver um concerto basta consultar a lista das bandas para sabermos que mais vale a pena ficar em casa a ver youtubes com gatinhos...

terça-feira, 19 de julho de 2011

Adalberto Alves : "Arabesco : da Música Árabe e da Música Portuguesa" (Assírio & Alvim; 1989)

 Há livros que nos mudam para sempre. Este simples ensaio sobre as possíveis ligações da música portuguesa com a árabe poderá ser visto como um livro para melómanos tarados ou algum musicólogo com tendências etnográficas. Certo certíssimo! Talvez até o seja embora como admita desde logo que é apenas um pequeno contributo para tal.

Eu cá não percebo nada de instrumentos nem de notas, pautas, etc... E o livro fala disso também. O mais importante nem é isso, é o fascinante explanar de que a cultura árabe sempre fez parte do ADN português - péssima altura para ser neo-nazi - muito mais do que se pensava, ou pelo menos o que nos ensinaram na escola. Agora percebo porque somos como somos, realmente nada temos em comum com os babacas da Europa do Norte. A nossa relação com os Mouros não foi de porrada neles e pô-los fora da Península. Houve negócio, houve cortes misturadas, havia fascínio pela música e cultura árabe porque na altura a cultura árabe era superior, houve parcerias entre os dois povos (três se contarmos com os Judeus). Os árabes estiveram séculos na Península antes da "reconquista". Moravam cá, copulavam como qualquer outro mamífero, constituíram famílias e tudo o mais que é normal numa civilização colonial. Como só no século XX é que se inventaram aquelas ideias funcionais como campos de extermínio, a questão é: depois dos "Afonsinhos do Condado" terem conquistado este rectângulo para onde raios foram parar todos Mouros que viviam cá?

Integraram-se, cristianizaram-se quando havia maior pressão católica, e só muito mais tarde os que não conseguiram apagar o rasto religioso é que foram apagados pela barbárie da Inquisição. Ou seja houve desta gente até muito mais tarde do que foi considerado com a terra conquistada e com bandeirinha portuguesa espetada. Significa que o nosso espírito está mais no Magrebe que em Roma e que estamos mais virados para o Oriente do que prá Cruz! Não admira que passamos sempre tristonhos e no canto da "saudade" - deve ser saudades das Mil e Uma Noites que perdemos graças à tirania cristã e à sua falta de imaginação monoteísta.

No fundo sabemos que algo está mal na nosso modo de ser. Algo foi imposto, não é suposto sermos assim, cristãos! Bem, ninguém deveria ser cristão para dizer a verdade mas falando só de Portugal, o que acontece é que não nos damos bem com a batuta da civilização europeia - aliás, os europeus do Norte tem a mania de dizer que Portugal é onde começa África. Eles tem razão!!! Somos tão estúpidos como os cabo-verdianos (que acham que são europeus!) por não assumirmos o outro continente, o africano. Realmente num país que todos devem a todos, que passa a vida a tentar a dar voltas ao sistema, que gosta de receber, de conversar e de conviver, que é hospitaleiro e de vida despreocupada, não são características bem sintonizadas com os tecno-protestante do Norte. Sempre senti que "o meu coração era árabe", agora tenho a certeza.

quarta-feira, 13 de julho de 2011

Good riddance!




Cada vez se percebe porque nada funciona em Portugal... Com os protestantes foi o que foi, e os ateus bem... O desenho originalmente era para um papel de embrulho pró Mike Goes West - coisa que nunca foi prá frente. Entretanto há um dia atrás o Camarada Majung pede-me um cartaz para a tour dos Sunflare (granda barulheira estes boys!) que começa já esta Sexta! Obriguei-os a levar livros meus em contra-partida! Só gente doida!

segunda-feira, 11 de julho de 2011

quarta-feira, 6 de julho de 2011

A tradição já não é aquilo que era...


Secret Chiefs 3 : Traditionalists : Le Mani Destre Recise Degli Ultimi Uomini (Web of Mimicry; 2009) ; Masada Book 2 : Book of Angels 9 : Xaphan (Tzadik; 2008)

Os Secret Chiefs 3 (SC3) voltaram a Portugal em Junho deste ano, e apesar da sala de espectáculos da ZDB cada vez me atrofiar mais, lá fui ver um bom concerto. Tal como a primeira vez no Plano B (em 2008) tive mais uma vez a hipótese de conversar com o mentor Trey Spruance, que também aceitou trocar discos seus por livros da MMMNNNRRRG. Realmente, tenho andado desatento às novidades musicais desde que deixei de escrever para a Underworld e a Elegy Ibérica. Nem sabia dos últimos discos de SC3… Heresia!
Começo pelo último, Le Mani Destre Recise Degli Ultimi Uomini, que é o primeiro álbum das seis bandas inventadas para o Book of Horizons (Web of Mimicry; 2004). Os Traditionalists são a faceta italiana de Spruance, onde reina Ennio Morricone, Goblin entre outros compositores de bandas sonoras para filmes giallo*. Trata-se então de uma recriação em que a qualidade sonora da gravação e de produção mimetiza o género com uma perfeição técnica. A dada altura é essa qualidade que permite o disco ser uma pérola - este é o caso em que a cópia torna-se melhor que o original. Há malhas, riffs, pedaços que qualquer conhecedor das "bandas sonoras originais" irão reconhecer imediatamente e acusar Spruance de roubar à "cara podre". Parece-me que o roubo é assumido mas sem entrar no jogo medíocre da "homenagem" ou do "tributo". É óbvia a admiração de Spruance pelo "género" e parece que há apenas uma vontade de fazer um "up-grade" técnico sem propriamente inovar nada com outras contaminações estilísticas embora neste disco os sons concretos sejam mais assustadores, as mudanças de trechos são maiores e o Free aparece com mais frequência, não fosse isto SC3 / Spruance – afinal o gajo punha sete estilos diferentes de música na mesma canção dos saudosos Mr. Bungle! Mas tudo aqui é direccionado para o passado. Talvez seja desinteressante ou abusivo mas se todos aceitam bandas Pop/ Rock rapinarem eternamente os mesmos cadáveres (Pop Will Eat Itself!), algumas descaradamente quando são famosas, outras de forma mais discreta quando são "underground", não há neste disco nenhum dano moral à Humanidade e Cultura.
E isto traz-nos para a obra-prima que é Xaphan. Ao que parece John Zorn no seu projecto Masada criou umas 300 novas composições para outros músicos tocarem. Todas elas têm nomes de anjos judaicos e cristãos - o que prova que o monoteísmo sempre foi uma treta falhada porque não resiste nem um pouco a “divino-diversidade” politeísta, acrescentado ao Senhor uma miríade de anjinhos, demónizecos ou uma infinidade de santinhos, mártires e outros bichos. Pergunto-me, uma vez que nunca ouvi Masada, se estas composições são mesmo do Zorn? (Vou arranjar problemas!) Ou até que ponto houve uma execução exacta das directrizes de Zorn ou se existe uma lógica do "jogo" desta série de composições e discos? Será que este Masada Book 2 é como o Cobra, que deixava (alguma) margem de manobra para os músicos? Sinceramente não sei… Teria de investigar uns 17 volumes / CDs que saíram da série que inclui monstros como Marc Ribot, Uri Caine, etc… Adiante… Este disco é pura e simplesmente brilhante. Todo ele é uma "world music" que não existe, e isso não espanta! Porquê? Porque a "world music" ou o folclore não existem, são invenções da terrinha que capitaliza os seus costumes mais "typical" numa nova roupagem pronta a ser consumida por turistas e outros abutres sedentos de originalidade. O fenómeno do "etno" há muito que não passa de uma réplica de "artesanato de aeroporto", basta pensar que todo o nosso folclore, por exemplo foi criado pelo Estado Novo. Neste disco os SC3 englobam música árabe, cigana, klezmer, surf, exotica, reggae, as tais músicas de filmes giallo, metal, jazz, free, em tal fusão que não sabemos mais o que poderá significar "World Music". Podemos chamar a esta música de "toda a música"? "Música de (todo-)Mundo"? Se a Aldeia Global reduzisse toda a sua música a uma rodela digital de 55 minutos e 27 segundos teria de soar a isto. Talvez não, talvez não houvesse músicos com este elevado nível de execução... Mas aconteceu! O disco foi feito! O Mundo não mudou desde 2008?

* Giallo são filmes de produção italiana dos anos 60/70 de género criminal e fantástico, onde se cruzam detectives, vampiros, paranóia e psicadelismo. A expressão vem de livrinhos populares impressos em papel amarelo, correspondente aos “pulps” nos EUA. Curiosamente mas sem relação, pode-se pensar nisto como a expressão “impressa amarela” - sensacionalista e popular como o Correio da Manhã.