quinta-feira, 24 de setembro de 2020

Pat Gilbert: "Passion is fashion : The Real Story of The Clash" (Aurum; 2009)

 Tudo que possa escrever aqui será um chavão. O maior de todos é dizer que a imprensa britânica é uma máquina de triturar Pop/Rock. Seja um radialista ou banda tudo que mexa no pântano musical naquela ilha de porcos tem direito a bibliografia. Esta "estória verdadeira" é só mais um livro sobre os Príncipes do Punk. Em teoria escava melhor as biografias dos seus membros e os que rodeavam. Mostra que tal como os Sex Pistols foram montados por um empresário para serem mais do que uma banda de Rock - sendo a questão de controlo ou fora de controlo a verdadeira parte sumarenta destas narrativas.
 
Em vários jogos de conflitos internos, algo nos Clash transcende a performance Sex Pistols, para se transformarem em músicos curiosos com o mundo fora do cânone Rock - não quer dizer que o Rotten / Lydon não se tenha transformado também num músico importante se pensarmos nos P.I.L. Os Clash tornaram-se em diplomatas dos sons negros de Londres, Jamaica e Nova Iorque para todo um mundinho de Pop branquinho, limpinho, decadente e sem graça. E se para quase toda gente são os temas a abrir como Should I Stay or Should I go? ou White Riot ou London Calling que são o suprassumo da banda, para mim o "dubificado" Guns of Brixton continua a ser a melhor faixa deles, foi essa que me abriu olhos para sons mais... dimensionais. Suponho que para mim como para muita mais gente pelo mundo ocidental fora.

Como livro desmonta ideias preconcebidas que os Punks profissionais de serviço possam ter desta banda, afinal eles nunca tiveram uma ideologia, e muito menos homogénea, do que estavam a criar. Tal como os Sex e outros contemporâneos o que havia era apenas caos e vontade de romper com os limites da altura. Parece-me que, como tudo naquela ilha, as grandes questões são sempre as de classe social em que eles se inseriam. Os Clash eram uns gajos de classes médias, ou apenas desenrascadas, que por serem boémios acederam a várias formas de estar na vida e assistiram a injustiças como o racismo a acontecer bem à sua frente. Fizeram o que músicos pode fazer, e não se pode pedir muito mais: escreveram sobre isso, expondo na cara da sociedade o que se tenta(va) não ver ou fazendo "benefits" para veteranos de guerra ou mineiros em greve. Pouco mais haverá para romantizar até porque parece-me que eles só não fizeram o seu "lucro sujo" de reunião porque Joe Strummer faleceu, prematuramente aos 50 anos.

sexta-feira, 18 de setembro de 2020

Disco de Verão (ainda vai a tempo até dia 21)

 


Não sei o que tanta gente tem contra o Ska, desde de pseudo-críticos felinos até às altas instâncias intelectuais. Uma conspiração contra a vida? Siiiiiiiiiiim, se congeminarem esta teoria a fumar ganzas... A verdade é que as drogas explicam tudo e as novas gerações foram dopadas legalmente com tudo o que havia à mão. Por isso, ouvir música feliz? Errado! Ouvir música cheia de energia? Errado! Viva o Trap e a sua Codeína e Anti-Depressivos num país que sempre preferiu à merda da melancolia do que à "Fiesta" - excepto nos anos 90 porque havia bueda guita. 

Isto para dizer que Chubby Dubby (Jahnotion; 2001) é um belo de um disco de Verão, mesmo terem passados dezanove por ele. A banda era os Three and a Quarter, "power-trio" de estranjas ricos estacionados na linha de Cascais e segunda divisão do campeonato Primitive Reason - tanto é verdade que não só editam na editora deles como até o artwork consegue ser tão merdoso como são os dos Primitive. Por raios prestei atenção a isto agora? Nos anos 90 quando apareceram nunca liguei a estes putos... A cena é que tinha uma k7 com o tema Noise In que é das melhores faixas de Rock em "Portugal" e lembrei-me de checar o resto do disco depois de ouvir a k7 há algumas semanas. 

E é disco bem fixolas de se ouvir, tem temas fraquinhos de "so in love with you girl" e quejandos mas não chega a irritar. Ora tem temas Rock apanhacalhado como Ska festivo como Reggae com voz de branquela - Sublime poderá ser a referência aqui - , isto numa metade do disco, a outra metade é um gigantesco tema Dub de 26 minutos instrumentais, longe de ser genial sabem bem depois da ressaca da grande festa. Em 2020 não há festas bem sei, ou pelo menos com mais de 10 pessoas, eis um CD que iria resultar nessa festinha

PS - Curiosamente o tema Noise In refere-se ao Prozac. Visionário...

quarta-feira, 16 de setembro de 2020

Quem não tem cão, caça como gato


«Ó Farrajota, qual é a tua banda favorita?»... Fácil, fácil de responder: Butthole Surfers! Ficaria bem sem ouvir mais nada do espectro Rock com a discografia completa desta cambada de lunáticos. E claro, nunca terei a satisfação de os ver ao vivo porque toda a música em Portugal é controlada por companhias de telemóveis. E sim, quem me dera ter estado AQUI apanhar com balas da caçadeira do Gibby! Há dez anos que acabaram, tal como aconteceu com o Rock e o Pop (para o fim eles estavam mais electrónicos e Hiphop). Sim, cago de alto para tudo antes e depois deles, incluindo Beatles e Nirvana.

Resta descobrir aos poucos os projectos paralelos dos seus elementos. E mesmo que se não soubesse que The History of Dogs (Rough Trade; 1991) fosse do guitarrista Paul Leary como não resistir a uma capa com uma cachorrinha loura? Leary toca tudo, canta tudo, etc... apoia-se no passado da banda como projecta caminhos que iriam trilhar mais tarde. De Punk Rock ao Cabaret, à Pop nocturna à à balada soalheira. Não é tão extravagante como possa parecer porque a comparação com os Butthole, meterá sempre alguns pontos mais abaixo. E eu que nem curto cães... lá me vou levando com o disco que tem apenas 33 minutos.

Em 1995 houve os P - sim só isso: "P" - com um álbum homónimo, pela Capitol. A banda é o encontro improvável de Gibby Haynes (vocalista dos Butt), Bill Carter (um gajo do Country), Johnny Depp e Sal Jenco - ambos actores e "teen idols" na série televisiva 21 Jump Street. Um álbum ecléctico que vai do Cow Punk ao Dub mas não deixa de ser "normie" comparando com os Butt, é mais limpo e bem tocado, pode-se assim dizer. Apesar de ser uma espécie de sucedâneo, não deixa de ter momentos bem altos como as versões de Daniel Johnson e ABBA (I save cigarette butts e Dancing Queen, respectivamente), o "hit" Michael Stipe (será baseado no passatempo dos Butthole perseguiam os elementos dos R.E.M. nos anos 80?), Jon Glenn (Megamix) que são 9 minutos do melhor Dub alguma vez feito, e o último tema que parece um auto-epitáfio, The Deal. O grafismo do disco é do Gibby e é apenas lindo!

Belos CDs adquiridos na Glam-O-Rama. Quero mais!!!


Como descobrir discos nas lojas em Portugal, um gajo vai ao Discogs também para arranjar o CD de Gibby Haynes and His Problems (Surfdog / Latino Bugger Veil; 2004) que parece ser um álbum de Butthole sem o nome deles, logo a começar pelo "artwork" de caras distorcidas no photoshop ou o raio que o parta. E claro, a voz de Haynes está cá no seu esplendor mais o psicadelismo country e também as electrónicas & batidas Hip Hop da última fase da banda que termina em 2001. Mais acessível - mais Pop como as bolhas da capa - ainda não é um álbum para desiludir ninguém, ou pelo, menos para matar saudades.

sábado, 5 de setembro de 2020

Dança narrativa



Falar em narração em Techno fará muita gente rir. Os Metaleiros ou os Progues habituados a histórias da treta de naves espaciais, piratas furries e afins nos seus álbuns conceptuais dirão que não é possível. Talvez até dirão que a música de dança não tem mensagem. A questão da mensagem daria para outro "post", por isso em relação à primeira questão: se toda actividade artística ou intelectual começa com um lápis numa folha de papel, como não julgar que tudo é "BD"? Tudo é texto e imagem - esquece BD, infografia será mais correcto, não? Antes de ser um edifício (arquitectura), um livro (prosa ou BD), uma cadeira (design), uma prótese dentária (medicina), uma escultura ou um quadro (Arte) e... uma música, tudo passa pelo desenho, e do desenho à narração - progressão de imagens ou conceitos - o passo é mínimo, basta pensar nas partituras de composições ou os monitores de programas de música que parecem electrocardiogramas de alienígenas. Desenhando um objecto ou um conceito, imediatamente temos narração.

Johnny Violence ou Ultraviolence deve ser dos poucos "stars" da cena Gabber / Techno a nível internacional, aposto que deve haver dezenas de "stars" holandeses enormes (na Holanda e por lá ficam e ainda bem). Curiosamente foi contratado pela a que era uma das editoras mais perigosas de Metal, a Earache - casa de Napalm Death e Godflesh. Martelinhos fodidos no catálogo de referência do Grindcore? Tempos estranhos nos anos 90 que pelo menos a editora pensou que ia haver uma união entre a drum-machine e a guitarra suja - nada de impressionante se pensarmos nos universos contestários anti-sistema das Raves e dos Metalpunks, e a velocidade e volume sonoro também de ambos. Enfim, escolheu-se a timeline errada para nós habitantes da Terra-616 e cada um dos gêneros correu o seu caminho descendente. Mas voltando ao bicho inglês, em Psycho Drama (Earache, 1995) ele cria uma ópera-gabber! Um "Romeu e Julieta" desta era do abuso sexual e drogas sintéticas, um Natural Born Killers de pacotilha, acompanhado por um libreto (o booklet do CD), que permite acompanhar a história desenvolvida neste álbum... conceptual. Sobretudo é um disco instrumental como qualquer disco de dança em que aparecem alguns excertos - "falas" ou "versos" numa veia vocal devedora ao House - que vão criando uma narrativa desde as nascença dos dois personagens principais, uma Pop Star agarrada e um Assassino profissional com coração de Adamantium, até ao seu encontro e "final feliz". Mais não conto, nada de spoilers ó caralho!

Um ano depois, Shocker (Earache), é um álbum normal, isto é, uma colecção de músicas como são todos os álbuns. No meio da violência da martelada Hardcore, mais uma vez o livrinho do CD revela narração, neste caso de faixa a faixa. Cada uma além de revelar os BPMs envolvidos tem uma nota explicativa do assunto, por exemplo a faixa The Hardest Gabba o assunto é sobre "Nada. Isto não é Techno inteligente. Que se foda o Techno Inteligente". Sei que é o pior exemplo para dar mas não resisti, vá, há faixas sobre suicidas, guerras, Wagner e fazer anos. Por fim, duas curiosidades, a primeira faixa, 2 kicks for yes, Violent é entrevistada por uma sensual fã de Gabber e responde com dois "kicks" para sim e um para "não", afinal os martelos também podem comunicar; e, Burn out entre um record mundial de 20 000 000 BPMs cria o Extratone sem o saber...

Este texto foi patrocinado pela iminência da chegada a Portugal do próximo livro do DJ Balli sobre o Gabber & Futurismo. Estejam atentos, gabbas!