Porque raios só os ricos e os famosos podem fazer lavagem de dinheiro e tráfico de influências criando as suas Fundações que rumam ao desconhecido?
A Fundação Farrajota veio reivindicar que até os pobretanas tem direito a tal figura de entidade colectiva. Mas que faz esta Fundação? Materializa a memória do clã, recuperando arte e objectos editoriais para espaços públicos, minando a tirania da história e dos seus tristes vencedores. Em breve também editará livros de memórias criando um verdadeiro catálogo de mitomania e de desespero existencial.
Criada em 2004 para uma exposição de Arte no evento “underground” Crime Creme Doméstico, desde então pela sua sede, já passaram esposas de social-democratas, estrelas do Trap, suecos clinicamente reconhecidos como doentes mentais, anarquistas da academia, lutadoras anti-racistas como ainda industrialitas celibatários. Neste improvável “melting-pot” de pessoas criou-se uma forte rede de “contactos” que resultou finalmente numa acção oficial no inútil festival Fólio em Óbidos, em 2019, com a mostra bibliográfica “É Só Vaidade”.
E agora, tentacularmente, ela repete a fórmula para o festival Estalo em Guimarães.
É Só Vaidade
É uma mostra bibliográfica constituída por fanzines e outras edições independentes do acervo da Fundação Farrajota. É a sua segunda vida e tem o mesmo título porque os tecnocratas não têm imaginação.
Os zines são artesanato urbano da Era da Informação, publicações amadoras em marginalidade, galerias nómadas de Arte e recipientes de Cultura precária. Localizáveis desde os anos 30, sofreram mutações até aos dias de hoje de tal forma que continuam a provocar dores de cabeças a todos os que gostam de catalogações.
Estão expostas aqui, uma série de publicações a provarem a sua riqueza de temas e formatos, embora a selecção desta mostra incida-se sobretudo na Banda Desenhada portuguesa, Arte constantemente mal-tratada mesmo pelas instituições públicas que a promovem, de tal forma que a FF sentiu um chamamento para esta batalha contra a ignorância!
Em Portugal, os fanzines de BD aparecem nos anos 70, muitas vezes sem o vocábulo correcto, espalhando-se em denominações como “jornal” ou “revista”. Eram geralmente criadas por colectivos de colecionadores ou em contextos escolares mas a vontade era óbvia: sair do espartilho da censura ou, depois do 25 de Abril, curtir a liberdade da Democracia.
Com o evento da cultura digital, o zine foi-se transformando, embora muitas vezes as suas características antigas reapareçam em novos formatos. É impossível não sentir um antagonismo de conceitos entre as publicações das origens até aos anos 90 e as do novo milénio. Até ao advento hegemónico do Digital, sobretudo com a omnipresença das redes sociais a tomarem conta da Internet, os zines eram produzidos por colectivos (A Vaca que veio do Espaço), a informação e crítica eram imperativos (Aleph, O Moscardo), havia uma continuidade do título com uma numeração, mesmo quando esta era muitas vezes subvertida, e usava-se a fotocopiadora do trabalho (à socapa) ou do centro de cópias para a sua reprodução.
No mundo da cultura digital, a produção torna-se individualizada, personalizada, mais artística, sendo muitas vezes cada objecto quase único, já para não dizer que se ignora a numeração, afinal cada título é um monográfico, seguindo a lógica de um livro - ou de uma plaquete ou de livro de autor ou de artista. As tiragens baixaram porque a impressão pode ser feita na impressora caseira ou como aconteceu na última década à base da risografia. Esta última traz o calor das cores num bonito paradoxo do defeito do trabalho manual com o brilho açucarado dos ecrãs. Apesar dessa liberdade da impressão caseira, serão poucos os exemplos que a aproveitam para exagerar ou diminuir os formatos convencionais do habitual A4 (ou dobrado dando um A5), aliás, nos anos 90, o A5 torna-se regra para quem faz fanzines - o que significa na maior parte das vezes apenas uma coisa, que edita são putos que não tem muito dinheiro.
Se o fim do zine colectivo possa significar um confinamento social das sociedades ocidentais, em compensação cada “monográfico” é um portfólio do artista, o manifesto das suas potenciais qualidades e uma cereja no topo para os leitores ousados. Apesar de ser mais fácil seduzirmo-nos por uma publicação a solo do que encontrar o artista que gostamos no meio de dezenas de páginas de uma antologia, tornou-se também mais complicado encontrar as publicações se não estas tiverem boa exposição em eventos especializados.
O digital roubou a reflexão em favor da reacção, daí que nas várias mesas da exposição queremos relembrar o sentido de missão da divulgação dessas publicações (Nemo, Cadernos da Banda Desenhada), a irreverência da experimentação (Sim/ Não), o uso de materiais pouco convencionais (106u, Sub, Succedâneo) e o uso de uma escatologia sem pudor que parece ter sido entretanto saneada nos zines, talvez porque se observa que na cultura vigente até o putedo literário actual sabe que não será multado ou preso por usar palavrões em obras literárias, “O amor é fodido”, pá!
A quantidade de títulos com associação a “vómito” aqui presentes estão realmente balizados nos fins do século XX e no início do novo. Depois, como todos sabem, a ‘net foi inventada para vermos vídeos giríssimos de gatos, a quantidade de títulos a piscar aos amantes dos felinos rivalizam os de escatologia.
Pelo meio encontrarão objectos sobre este preciso ponto onde se encontram! A cidade de Guimarães (Garagem, Ancient Prophecy), o festival Estalo, os seus artistas convidados (André Coelho, Edgar Pêra e a Oficina Arara) e os participantes do mercado Necromancia Editorial - neste último caso, fomos às suas pré-histórias como o fanzine Zundap que deu na Imprensa Canalha ou o Clube do Inferno que agora é o Massacre.
Estando previsto um novo número do zine Mesinha de Cabeceira, há uma mesa dedicada a esta publicação existente desde 1992, co-fundada por Marcos Farrajota e Pedro Brito. O número 30 publica uma BD da vimaranense Alexandra Saldanha, mais conhecida pela banda Unsafe Space Garden. Sim, é só vaidade…
Mesa dedicada a Guimarães e ao Estalo
- Garagem #1 (Garagem, 2000), v/a
nota: revista de música que edita o primeiro disco de drum’n.bass português, de Phastmike.
- Ancient Prophecy #1 (Paulo Ribeiro; Out’96), v/a
nota: fanzine de Metal cristão
- Acto #9 (ACT; 2009), v/a
- Buraco #4 (Arara; 2012), v/a
nota: número dedicado à (des)ocupação da Es.Col.A
- Mundos em Segunda Mão, vol. 2 (MMMNNNRRRG; 2015), Aleksandar Zograf
nota: “cine comics” na contracapa de Edgar Pêra
- SWR Barroselas Metalfest 18 Sticker Booklet (SWR; 2016), André Coelho
- Ao Coração das Trevas (Ao Norte; 2018), André Coelho
Mesa dedicado às “pré-histórias” dos editores do Necromancia Editorial
- Estou Careca e a minha cadela vai morrer (Marco Mendes & Miguel Carneiro; Jun’05), v/a
- Satélite Internacional #4/5 Sputnik (col. A Língua; Jun’05), v/a
- Tierra de Nadie (2015), Rodolfo Mariano
- Surto #2 (Sarna; Jun’19), v/a
- Radiation 2 (Clube do Inferno; 2014), Mao
- Freak Scene #1 (Clube do Inferno; 2014), André Pereira
- Zundap #11[#6?] (José Feitor; 2003?), v/a
nota: este fanzine era numerado aleatoriamente para confundir os colecionadores, yes!
- Jungle Comix #1 (Rudolfo Comix; 2009), Rudolfo da Silva
Mesinha de Cabeceira
#0 (Fc Kómix; Out’92), v/a, capa: Pedro Brito
#5 + Meseira de Cabecinha #1 (Fc Kómix; Ago’94), v/a, capas: Pedro Brito
#10 (Fc Kómix + Chili Com Carne; Nov’96), v/a, capa: Marcos Farrajota
#13 (Chili Com Carne; Out’97), “88” de Nunsky
#16 (MMMNNNRRRG; Out’02), “Super Fight II” de André Lemos
#23 (Chili Com Carne; Out’12), v/a
nota: páginas expostas de Uganda Lebre
#29 (Chili Com Carne; Abr’21), “A Fábrica de Erisicton” de André Ferreira
Mesa de BD anos 70 a 90
- O Máximo #2 (Edições Dada; Dez’75?), v/a
nota: páginas expostas de Isabel Lobinho
- O Estripador #0 (Delfim Miranda; Jan’75), v/a, capa: Fernando Relvas
- Evaristo #2 (António Pereira; Mar’75), v/A, capa: Vicente Barão
- Grafpopzine (Mai’88), Alice Geirinhas e João Fonte Santa
- Psicose Infantil (Illegal Comix; 1991), v/a, capa: Fernando Gonçalves (?)
- Pintor & meio #2 (Rodrigo Miragaia; Abr’91), v/a, capa: Rodrigo Miragaia
Mesa de BD deste milénio
- Galante e a Mulher-Mistério, Fotonovela nº1 (Pôe-te Fino Edições Caseiras; 2011), Bruna e Carol Carvalho
- Não me contes o fim!! Eles.. morrem todos. (Senhorio; 2006), Nuno de Sousa e Carlos Pinheiro
- There are only seven stories in the world (O Panda Gordo; 2013), v/a
- Lençóis Felizes (Happy Sunflowers Books; 2013), Van Ayres
- Noberto à chuva + Noberto nas montanhas (La Pie qui Aime eles livres; 2014), Margarida Esteves
- [sem título] (2011), Lucas Almeida
- BD PZL (2018), Mariana Pita
nota: BD baseada no jogo picross ou nonogram
- Durty Kat #10 (Ana Ribeiro; 2018), v/a
- O Gato Mariano não fez listas em 2017 (2017), Tiago da Bernarda
- Cvthvus #2 (Jun’13), Chaz the cat e Gonçalo Duarte
Mesa dos Formatos e Materiais
- Bioedificio 421 (Lök, Itália; 2012), v/a
- Bactéria #10 (Francisco Vidal; 2001?), v/a, capa: Francisco Vidal
nota: capa em serigrafia com biscoito de cão em formato de osso (moído entretanto!)
- Ganmse (1986), Rigo 23
- Sub #8 (Pitchu; Out’99), v/a
- Mix Tape (Dinamarca, 2008), Allan Haverholm
- 106 u #5 (Eric Bräun, Canadá; 1998?), v/a
- Succedâneo #-20 (João Bragança; Jan’01), v/a
- Sim / Não (1998), Geral & Derradé
nota: duas BDs que se vão concluir na página central deste “split”
- Joe Índio especial Off (A Vaca Que Veio do Espaço; 1994), v/a
- Chicken’s Bloody Rice #0 (Other’s Thinking Productions; Jun’03), v/a
nota: era acompanhado por um saco de plástico que continha uma perna de galinha, arroz e água colorada de vermelho, reza a lenda, que a putrefação dos materiais fez um colecionador vomitar
- Pecarritchitchi #2 (Abr’04), João Bragança
nota: deverá ser o zine mais pequeno de sempre, o número anterior tinha o tamanho de um selo
Mesa da escatologia
- Cona da Mão #1 (Gonçalo Pena; 1998?), v/a, capa: Gonçalo Pena
- Vermental #0 (André Silva; 1995), v/a
- Vómito #1 (1997?), v/a
- Vomir #1 (1999), Nuno Pereira
- L’Horreur est Humaine #4 (Sylvan Gérand, França; Jan’02), v/a, capa: Fredox
- Puke Junk & Hit the fan (EUA; 1997), Fly
- Esperma Sangrento #1 (199_?), Janus
- Herpes Labial #1 (Produções de Marda; Out’97), v/a
- Besta Quadrada #1 (João Fonte Santa; 1993), v/a
- Besta Quadrada #3 (André Catarino & Tiago Baptista; 2008), v/a
nota: coisas que acontecem, títulos que se repetem sem os editores conhecerem o precedente, curiosamente quer Santa quer Baptista são pintores e actualmente moram a poucos mais de 5 minutos um do outro. Recentemente aconteceu algo idêntico com o “Olho do Cu”, dois editores separados por 10 anos mas ambos moradores da mesma região, em Abrantes.
Mesa dos Fanzines de crítica e Meta
- Aleph #2 (José Morais C. de Faria; Mar’74), v/a
nota: número em que se dá uma virada maoísta no colectivo, conforme a moda da altura
- Cadernos da Banda Desenhada #2 (Catarina Labey; Mar’97), especial Jayme Cortez
- Nemo #26 (2ª série, Manuel Caldas; Jun’97), v/a
- O Moscardo #1 (Jun’90), Arlindo & Jorge Guimarães
nota: talvez o único fanzine de crítica de BD em Portugal, sobreviveu diatribes, dois números e um suplemento
- Expofanzines 2001 (Colectivo Phanzynex, Galiza; Jul’01), catálogo
- Fan Catalog (CM de Almada; 2008), catálogo
nota: além da entrada da publicação recebida nesta mostra também é mostrada as embalagens de como foram enviadas
- My Precious Things #9 (Fc Kómix; Out’98?), v/a
nota: newsletter de críticas a edições independentes e catálogo da Distribuidora Esquilo GIGANTE.
- Portuguese Small Press Yearbook (Catarina Figueiredo Cardoso; 2018), v/a
nota: especial BD