segunda-feira, 15 de julho de 2013

Simon Reynolds: "Retromania : Pop Culture's Addiction to its Own Past" (Faber and Faber; 2011)

Não se deixem levar pela capa pirosa... Este é o melhor livro sobre música jamais escrito excepto que poderá ser ultrapassado no futuro. Ainda assim, algo de extremamente radical teria de acontecer na música Pop para que este livro ficasse desactualizado - o que ele não prevê nem deixa prever.
Reynolds ao longo das páginas deste magnífico livro desmonta todo o aparato do Rock/ Pop nos dias de hoje, ou melhor, desde o novo milénio quando a cultura Pop deixou de crescer e começou a entrar em autofagia. Dos “revivals” aos regressos (dos Sigue Sigue Spunik aos My Bloody Valentine), dos museus dedicados ao Rock (com as suas relíquias de santinhos Pop, como uma rasta de Bob Marley, a camisa de John Lennon antes de levar com os balázios ou as cinzas mortais do DJ que cunhou o termo Rock'n'Roll!) às curadorias de festivais Rock, do coleccionismo ao fetishismo, do Retro à Nostalgia, do eterno revivalismo dos anos 50 (fenómeno que vamos encontrar logo cedo nos finais dos anos 60) à "hauntology" - música que pega em sons fantasmagóricos do passado e que parece estar na moda!
De forma divertida e pessoal, sem que estas desviem o ensaio para algum tipo de baboseira reaccionária, Reynolds faz uma análise da música Pop até aos dias de hoje, e de que forma ela se modificou até ao ponto de "eterno presente" graças ao advento da web. São vários os analistas que têm advertido que o mundo deixou de ter passado e futuro quando podemos aceder tudo pela internet (no seu "anarquivismo") e não é de estranhar que o mesmo tenha acontecido nas artes e na música.
O Punk fez ruptura democrática do Rock e cultura em geral, o pós-punk trouxe o "artsy" ao Rock, o Hip Hop e a cena Rave novas formas de expressão e de produção, e pelo meio houve o Reggae, Ska e Dub mas segundo Reynolds, os anos 00 não trouxeram nenhum novo tipo de música. Aliás, não será o único a afirmar que desde o Grunge que não houve um género que tenha sobressaído ou feito estragos no mundo Pop. Afirma mesmo que os 00 são os anos conhecidos pela tecnologia (mp3, ipods, napster, myspace, bandcamp,...) e não por um grupo ou estilo musical. Não é o único a afirmar tal coisa, o grande Scaruffi no seu sítio scaruffi.com dá nomes como “Revolução Indie” aos anos 80 e outras décadas mas de 2001 a 2008 chama-lhe de “Era Digital”!
Não é fácil de opor a esta ideia quando desde os meados dos anos 90 assistiu-se a meros revivalismos "non-stop": o regresso do Disco (Daft Punk, Kylie Minogue), Ska (Sublime), Jazz Big Bands / Swing / Lounge (Combustible Edison, Squirrel Nut Zippers, Matthew Herbert), Punk (Green Day, Offspring), Hard / Heavy Metal (The Darkness, Queens of Stone Age), Post Punk / New Wave (Franz Ferdinand, She Wants Revenge), os kitsch dos 80 (o electroclash), o Glam dos 70 (Placebo), os 60 (quais? entre muitos, a cena Neo-Folk), os 50 (The White Stripes e um sem fim de estupidez garageira),... Quer no Top 10 quer no “underground” não se vê inovações mas apenas ao melhoramento de estilos: seja no R'n'B da MTV, no Dubstep a chegar ao Top, no Punk Rock mais selvagem tocado numa Okupa,... E o livro mostra e explica como isto acontece. Na essência explica que isto deve-se ao arquivamento de música nunca antes existente na Humanidade.
Antes dessa capacidade de armazenar música não havia forma de saber como eram as “vozes” do passado, o som de uma canção ou de uma banda. Graças aos cilindros de cera (1877), discos em vinil (1888), cassete (da criação à forma que conhecemos: 1935-1964) e CD (1979) toda uma história da música pode estar documentada e para audição ao ponto que uma meia-dúzia de falhados conseguiram reavivar o Northern Soul, por exemplo, só porque achavam que esse (sub)género era a melhor coisa do mundo... Aliás, subgénero que passou a existir depois de um grupo os cunhar como tal – eis um fenómeno que apareceu: cunhar algo que aconteceu no passado sem que na altura houvesse uma consciência de movimento ou de cena.
Graças ao conhecimento do passado, os músicos acabam por citá-la ou copiá-la sem alterar as formas originais. Imaginem que antes da música registada, mesmo um cancioneiro popular poderia passar de pai para filho mas haveria sempre algo a perder-se na “tradução” como se costuma dizer. E essa passagem poderia incluir cortes (algo que o filho não gostasse) e acrescentos (algo que o filho criou e passou a meter no repertório), agora é impossível não saber “toda a verdade” da música… basta ir ouvir o disco, seja em LP seja no youtube!
O livro é difícil de refutar e deslumbra a alguém como eu que escreve neste blogue há anos sobre este “estranho mal-estar” que sente no mundo da música Pop/ Rock. Reynolds consegue identificar e estruturar quase todas as características do momento – ou dos últimos 10 anos. Há apenas quatro situações que lhe passam ao lado, parece-me.
Sound + Vision
Estranhamente, apesar de referência ao youtube, Reynolds não levanta questões de como o vídeo-clip possa também ter modificado a nossa relação com a música.
Por exemplo, acho que só se explica o eterno regurgitado revivalismo dos anos 80s não apenas porque a música era tão "má que era boa" mas porque a geração dos anos 70 mamou todos os video-clips mais manhosos do planeta na sua juventude nos anos 80, acrescentando a sensação visual (e narrativa das micro-histórias dos vídeos) à música que se ouvia. Nas gerações anteriores, a música era meramente auditiva, coisa ridícula de se escrever (claro que só se ouve música!) mas sabemos que o Rock é mais que "música", é uma ópera bufa de música, letras, moda, performance e escândalos. Antes não havia “próteses visuais”, porque quem diz video-clips, diz todos os elementos visuais que passaram a fazer parte do Rock/Pop: maravilhosas capas dos discos LP, revistas e jornais especializados, longas-metragens, documentários, efeitos especiais e decorações dos concertos, e claro, o “merchandising” como cuecas, meias, porta-chaves, isqueiros e as t-shirts - dizia-se que os Inspiral Carpets vendiam mais das suas t-shirts "cool as fuck" do que os seus próprios discos.
Talvez por isto tudo que os Gorillaz foram criados, não? Mas mais do que isso, será por isso que nos lembramos tão bem dos anos 80, ou que seja fácil ir lá buscar coisas nostálgicas, porque foi a primeira geração de Video kill the radio star? Uma década de produção audio-visual onde há mais imagens para recuperar e lembrar do que um Elvis nos anos 50 mesmo que este tenha feito também filmes? É mais fácil lembrar o tema "euro-trash" Boys Boys Boys por causa do video onde vemos as enormes mamas saltitantes (e molhadas) da Sabrina do que um tema qualquer de Captain Beefheart nos anos 60, certo?
Rat Race
Reynolds não refere a questão dos modelos económicos que nos dias de hoje afectam a música. Há poucos meses atrás, a revista The Wire publicava um artigo sobre como a crise tem transformado os projectos musicais, afirmava que o formato de banda de quatro ou cinco elementos está a desaparecer para projectos constituídos “bandas de um homem só” ou duos. Como é complicado levar uma banda grande em turnés com os cachets cada vez mais baixos, é preferível pegar no lucro todo para uma pessoa só (ou para um pequeno agregado familiar, já repararam que anda muita banda por aí que é um casal? como os Jucifer) do que distribuir por quatro ou cinco gajos.
Com isto, haverá menos colectivos que na realidade são espaços de confronto de ideias, técnicas e conceitos. Isso não impede que se faça “co-working” em estúdio / disco, com várias pessoas a colaborar como acontece nos dias de hoje em todos os discos de Hip Hop mas também em discos de Metal ou Pop. Diziam na revista que cada vez iremos ter menos hipóteses de ter bandas "doidas" (no sentido inovador) como aconteceu no passado, como os Clash ou os Skinny Puppy, em que cada elemento com percurso diferente traz algo de diferente para o som da banda.
Querendo ir mais longe, pergunto se esta crise económica que optou por atomização dos elementos das bandas também não tem criado a especialização do mercado porque cada vez mais se assiste a “segmentos de mercado” (ou o nicho ou o público-alvo). Bandas que tocam, por exemplo, Garage dos anos 60 só para circuitos e público especializado nesse género, ou quem diz isto, diz a banda Death Metal que só toca para metaleiros que curtem Death, não conseguindo apanhar os que gostam Black Metal ou Speed Metal ou… Isto explicaria abortos como os Editors e afins que fazem a mesma música 12 vezes no mesmo álbum porque não podem fugir à cartilha Indie, mais especificamente, aquele Indie tipo anos 80 e Dark Pop que se especializaram – que não é a mesma do tipo Indie Anos 90 norte-americana dos [metam aqui um nome de uma banda dos anos 00 que soe a Pavement, sff].
É desnecessário dizer que num álbum de Led Zeppelin podia-se ouvir temas Blues, outros Reggae, ou Rock psicadélico, ou Hard Rock e o que mais se lembrassem... soando sempre a Led Zep. O mesmo pode-se dizer para os Mano Negra, Ministry, Young Gods, Black Sabbath, Pop Dell Arte, Stealing Orchestra ou Mão Morta (basta ouvir o Fado Canibal do segundo álbum, por exemplo). É Helter Skelter "menos Beatles" do que o Norwegian Woods? Se os [qualquer banda do momento] fizer uma música Techno sendo ela uma banda de Rock Indie, será aceite pelo a) público? b) editora? c) pela própria banda?
Istanbul (Not Constantinople)
Do alto das cidades do Império (Londres e Nova Iorque) onde Reynolds residiu e de Los Angeles, onde reside actualmente, não se pode ver o que está para baixo, nas periferias… Os EUA e a Grã-Bretanha podem ter tido um monopólio da Pop durante o século XX mas com o crescimento económico de outras nações e capacidade de encontrar, pela Internet, outras culturas, têm despertado novas músicas que Reynolds não considera muito embora admita que seja daí que possa vir algo novo, como da China ou do Brasil...

Mas já vieram coisas novas daí? A globalização de sons Pop têm sido assimilada em cada país desde sempre. O Jazz e o Funk no Afrobeat dos anos 60/70, e nos anos 80 vamos encontrar Reggae em vários países da África subsariana como Alpha Blondy, mais tarde Hip Hop e agora fala-se imenso de um Blues do Sahara (Bombino, Tinariwen) que é mais velho que Blues americano... Também há Drum'n'Bass com metais dos Balcãs e criou-se Reggeaton de Puerto Rico! E o Kuduro angolano entretanto sacado para Portugal pelos Buraka Som Sistema? Enfim, creio que a melhor música Pop do momento é aquilo que os porcos imperialistas chamaram de “World Music”, termo idiota para designar o que não era anglo-saxónico. O monopólio “acabou” e se há artistas para este milénio eles chamam-se MIA ou Die Antwoord, ainda eles híbridos do mundo anglo-saxónico.
E já agora, outro indício como nas periferias se vai perdendo o monopólio, é também a cultura de revivalismos noutros países. São os fenómenos locais, como por exemplo, Portugal não tinha uma tradição Pop mas 20 anos depois do aparecimento dos execráveis Resistência ou das popularuchas digressões “Portugal ao vivo”, ei-las a reaparecerem nos últimos meses para oferecer um conforto nostálgico à primeira geração 100% Pop portuguesa.
Headcleaner
Mas esse som da “periferia” é revolucionário? Ou só trazem mais-valias ao que já existe? Afinal Kuduro é Techno, os Die Antwoord combinam elementos pré-existentes (euro-dance e gangsta), tal como os discos de The Ex com Getatchew Mekuria são punk rock com jazz etíope, etc… E para isso já temos o fenómeno de reciclagem, pós-moderno e de “jogo de peças” que Reynolds revela no livro.
A tecnologia muda a música: o Rock vindo dos Blues aparece com a electrificação da guitarra, o Rock Psicadélico porque passou a haver registos longos (LP), o punk com a democratização da fotocopiadora e das k7s, o Techno e Hip Hop com os samplers e ferramentas digitais, etc… A música do século XXI vive do passado devido à tecnologia de partilha (CD-R, internet, bluetoth) em que este é reavivado a toda a hora. Curiosamente, a cultura Zombie nunca antes esteve tão popular...
E este estado de morto-vivo não ouve nada? Não terão sido os sunn0))) a única banda sonora da primeira década do século XXI? Imortalizaram o termo Drone ao mesmo tempo que se usam máquinas Drone em guerras e vigilância policial, tal é a intercepção entre tecnologia e cultura. O ruído branco dos P.A.s destes metaleiros intelectuais, o Noise de mil bandas underground, as festas de música de dança Dubstep, fecham a primeira década do novo milénio no Verão de 2010 acompanhadas por vuvuzelas que se ouviam omnipresentes à escala global. Reynolds não deu por isto? Não se curte bola nos EUA, né?

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