Há por aí todo um fascínio pelo Japão e pela sua cultura. Fascínio
esse perigoso se não tivermos um posicionamento crítico sobre aquela sociedade
e o seu Estado. Os Mangás e Animes aparecem como uma fofura para a juventude e
sobretudo faz parte de um “softpower” que nos fazem esquecer que o país é
racista e xenófobo – curiosa a série de TV Tokyo
Vice, um “neo-noir” que mostra como é tratado um “gaijin”. Seja como for
isto são notícias antigas, a cultura Pop da Coreia do Sul está a ser a nova
coqueluche cultural nestes tempos. E talvez seja mesmo o fim da linha para o
Japão, que tinha o prenúncio em 2013 quando apareceu um CD que juntava as BiS com os Hijohkaidan.
As BiS (Brand-new Idol Society) é uma banda “idol”, aliás, elas são “alternative idol” se nos
quisermos rir ainda mais. O fenómeno “idol” surge no Japão nos anos 60 e mete
umas caras larocas a cantar, dançar e a venderem iogurtes ou merda frita. A
coisa foi evoluindo ao ponto de serem também bandas de miúdas – tipo Spice
Girls mas mais mecânico, histriónico e foleiro. As BiS romperam um coche a
foleirada ao misturarem outros sons e temas dentro desta cena de bonecas
biónicas, daí “o alternative”. Aliás, foi graças a esse rompimento que apareceu
também o Kawaii Metal – com as Babymetal como a grande referência, e sim, é
J-Pop com Metal à la Slipknot.
Os
Hijohkaidan são da primeira geração
de músicos Japanoise – termo ambíguo que tanto quer dizer que são artistas que
fazem música com objectos não-musicais amplificados, ruído electrónico, buscas
cósmicas (vindo do grande fascínio japonês pelo Prog e psicadélico), o grito
punk “um dois três quatro” para depois ouvir-se um gajo a defecar, performers
que atirarem sacos de urina ao público, um bulldozer em palco (o concerto de
Hanatarash acaba quando este está para atirar um cocktail molotov aceso para o
palco), etc… Extremismos vários que tornaram míticos projectos como Boredoms, C.C.C.C., Incapacitants, KK Null,
Gerogerigegege, Ruins e claro o grande deus Merzbow.
Não
faço puto ideia quem é que se lembrou de juntar os géneros Idol e Noise, parece
mesmo aquelas parcerias de bandas rock decadentes ocidentais em que tens de
meter um miúdo novo do Trap que esteja em grande para que continues relevante
nos tops e social-media. Só aqui o estranho é que imagino que no Japão ninguém
queira saber dos Hijohkaidan, mesmo que tenham uma carreira de terrorismo
sónico desde 1979, e prás BiS tenha servido para queimar carreira. Não será
assim, claro, como irão ler a seguir… até porque foi editado numa empresa
enorme, por isso, já sabem do cliché de que o capitalismo absorve tudo, até
Noise!
Assim
temos um CD intitulado Bis Kaidan, 27 minutos de som, elas
a cantarem aquelas vozinhas irritantes híper-coreografadas – mas também muitas
vezes a gritarem como umas desalmadas ou para megafones – com batidas de dance-teen-pop-anime.
Por detrás, ouve-se ruído puro do trio de velhinhos (há uma mulher na formação,
by the way!) empenhados em fazer disto
uma experiência ainda insuportável que o normal. Tudo é errático e caótico,
guitarras com feedback e barulho digital. O CD traz uma fotografia como extra de
uma das seis BiS, talvez para colecionar e arranjar autógrafo, sei lá…
E
se isto deveria ser um disco único para melómanos e amantes do Pop bizarro, a
coisa não ficou por aqui. Houve concertos e um disco ao vivo de despedida: 2014.5.6
BiS階段 Last Gig @ WWW. Um duplo CD, cujo livrinho tem fotos dos concertos – é hilariante
ver as miúdas ensanguentadas vestidas de fato de colégio com tripas de fora e a
fazerem, acho eu, um pacto de suicídio colectivo - o pior “bizness” de sempre
como toda a gente sabe. O primeiro CD é absolutamente insuportável, o tema nerve é repetido 13 vezes, como uma
performance de endurance (para todos! Público e músicos) em que vamos ouvindo
um tema especialmente fofinho irritante “em loop” durante 50 e tal minutos
creio, não tenho coragem de voltar a por o disco nem para ver esta informação tão
relevante para este artigo. Por detrás, mais uma vez, os Kaidan a fazer barulho!
O segundo disco já são vários temas do disco original, menos mal. Mas sim
fiquemos pelo disco original, evitem o “ao vivo”, para vossa sanidade mental.
Por outro lado, pode ser uma boa forma de desmame e desintoxicação da cultura
nipónica!
Artigo publicado na Merda Frita Mensal #2