quarta-feira, 25 de dezembro de 2024

Merda Frita



Há por aí todo um fascínio pelo Japão e pela sua cultura. Fascínio esse perigoso se não tivermos um posicionamento crítico sobre aquela sociedade e o seu Estado. Os Mangás e Animes aparecem como uma fofura para a juventude e sobretudo faz parte de um “softpower” que nos fazem esquecer que o país é racista e xenófobo – curiosa a série de TV Tokyo Vice, um “neo-noir” que mostra como é tratado um “gaijin”. Seja como for isto são notícias antigas, a cultura Pop da Coreia do Sul está a ser a nova coqueluche cultural nestes tempos. E talvez seja mesmo o fim da linha para o Japão, que tinha o prenúncio em 2013 quando apareceu um CD que juntava as BiS com os Hijohkaidan.

As BiS (Brand-new Idol Society) é uma banda “idol”, aliás, elas são “alternative idol” se nos quisermos rir ainda mais. O fenómeno “idol” surge no Japão nos anos 60 e mete umas caras larocas a cantar, dançar e a venderem iogurtes ou merda frita. A coisa foi evoluindo ao ponto de serem também bandas de miúdas – tipo Spice Girls mas mais mecânico, histriónico e foleiro. As BiS romperam um coche a foleirada ao misturarem outros sons e temas dentro desta cena de bonecas biónicas, daí “o alternative”. Aliás, foi graças a esse rompimento que apareceu também o Kawaii Metal – com as Babymetal como a grande referência, e sim, é J-Pop com Metal à la Slipknot.

Os Hijohkaidan são da primeira geração de músicos Japanoise – termo ambíguo que tanto quer dizer que são artistas que fazem música com objectos não-musicais amplificados, ruído electrónico, buscas cósmicas (vindo do grande fascínio japonês pelo Prog e psicadélico), o grito punk “um dois três quatro” para depois ouvir-se um gajo a defecar, performers que atirarem sacos de urina ao público, um bulldozer em palco (o concerto de Hanatarash acaba quando este está para atirar um cocktail molotov aceso para o palco), etc… Extremismos vários que tornaram míticos projectos como  Boredoms, C.C.C.C., Incapacitants, KK Null, Gerogerigegege, Ruins e claro o grande deus Merzbow.

Não faço puto ideia quem é que se lembrou de juntar os géneros Idol e Noise, parece mesmo aquelas parcerias de bandas rock decadentes ocidentais em que tens de meter um miúdo novo do Trap que esteja em grande para que continues relevante nos tops e social-media. Só aqui o estranho é que imagino que no Japão ninguém queira saber dos Hijohkaidan, mesmo que tenham uma carreira de terrorismo sónico desde 1979, e prás BiS tenha servido para queimar carreira. Não será assim, claro, como irão ler a seguir… até porque foi editado numa empresa enorme, por isso, já sabem do cliché de que o capitalismo absorve tudo, até Noise!

Assim temos um CD intitulado Bis Kaidan, 27 minutos de som, elas a cantarem aquelas vozinhas irritantes híper-coreografadas – mas também muitas vezes a gritarem como umas desalmadas ou para megafones – com batidas de dance-teen-pop-anime. Por detrás, ouve-se ruído puro do trio de velhinhos (há uma mulher na formação, by the way!) empenhados em fazer disto uma experiência ainda insuportável que o normal. Tudo é errático e caótico, guitarras com feedback e barulho digital. O CD traz uma fotografia como extra de uma das seis BiS, talvez para colecionar e arranjar autógrafo, sei lá…

E se isto deveria ser um disco único para melómanos e amantes do Pop bizarro, a coisa não ficou por aqui. Houve concertos e um disco ao vivo de despedida: 2014.5.6 BiS階段 Last Gig @ WWW. Um duplo CD, cujo livrinho tem fotos dos concertos – é hilariante ver as miúdas ensanguentadas vestidas de fato de colégio com tripas de fora e a fazerem, acho eu, um pacto de suicídio colectivo - o pior “bizness” de sempre como toda a gente sabe. O primeiro CD é absolutamente insuportável, o tema nerve é repetido 13 vezes, como uma performance de endurance (para todos! Público e músicos) em que vamos ouvindo um tema especialmente fofinho irritante “em loop” durante 50 e tal minutos creio, não tenho coragem de voltar a por o disco nem para ver esta informação tão relevante para este artigo. Por detrás, mais uma vez, os Kaidan a fazer barulho! O segundo disco já são vários temas do disco original, menos mal. Mas sim fiquemos pelo disco original, evitem o “ao vivo”, para vossa sanidade mental. Por outro lado, pode ser uma boa forma de desmame e desintoxicação da cultura nipónica!

Artigo publicado na Merda Frita Mensal #2

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