sexta-feira, 19 de agosto de 2011
Grande novela americana
Matmos : The Civil War (Matador; 2003)
WHY? : oaklandazulasylum (Anticon; 2003)
Era uma vez... vapores de peidinhos quentes cobertos pelos lençóis da manhã, o arrastar dos pés do vizinho de cima sobre o soalho de madeira, os últimos suspiros de um pombo moribundo, a língua da gata a lamber obstinadamente o pêlo brilhante, o bicho a roer a madeira da cama, o titilar do motor do Opel acabado de estacionar. Usurpados por microfones e sequenciados em laptops nos finais dos anos 90, tornou-se de forma pragmática e maquinal da lógica anglo-saxónica embutida em todo o DNA do mundo Pop, mesmo daquele que se diz "diferente". De repente o novo brinquedo do Pop era procurar o som microscópico ao ponto de Matmos enfiarem microfones em tubos digestivos de vacas para fazer microhouse - som paneleiro-lounge que se confunde com a outra grande paneleirice deste século que é o Techno minimal. Outro ser anglo-saxónico, Matthew Herbert como Radio Boy, fez coisas parecidas antes de entrar num esquema de big band e manifestos artísticos que não interessam a ninguém.
No caso de The Civil War, os americanos tentam explorar sons medievais folclóricos com "americana" e o tal microhouse. Usam sons "verdadeiros", ou seja gerados por instrumentos acústicos (como tambores e gaitas-de-foles) com o átomo digital. Glitches à parte soa a manual 1-0-1 de como fazer a coisa sem chegar a nenhum sentimento - ao contrário por exemplo do último disco dos Stealing Orchestra que partilha a ideia do som "verdadeiro" com o "virtual" - mas não a obtusidade das explorações dos sons imperceptíveis. The Civil War não aquece nem arrefece, parece uma feira medieval com nerds do Mac ao peito. É uma tentativa tão válida como a minha de conhecer o trabalho deste casal tão respeitado na música deste século. Não deixarei de tentar outro disco porque tenho boa impressão de um tema Rag for William S. Burroughs de outro álbum The Rose Has Teeth In The Mouth Of A Beast - que terei de ter a paciência de me cruzar com ele um dia destes.
Já WHY? é outra estória... É o primeiro álbum do projecto de Wolf e também o último antes de o transformar numa banda de 3 elementos em Elephant Eyelash (Anticon; 2005). Para quem gosta dos Pavement mas têm medo de Wu-Tang Clan pode vir aqui deliciar-se com a faceta delicadoce do Indie / alt country / americana disfarçada com técnicas de produção Hip Hop. A tradição de canção está aqui bem vincada, é certo que é mutante graças à tecnologia dos século XXI não faltando loops e "micro-sons" texturizados e melódicas para acompanhar a melancolia urbana. Por mais samples de carne que se une ao esqueleto destas canções o humano não se desfaz em máquina. O colectivo Anticon, que WHY? pertence, é segunda geração do som de fusão Pop/Rock com Hip Hop iniciada por Beck. Chamam-lhe de "hip hop abstracto" e é capaz de ser das poucas coisas giras inventadas neste milénio.
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