Nova “crónica sónica Suomi”! Só que este regresso à Finlândia foi mais pobre musicalmente do que as outras quatro vezes que lá estive. Algum cansaço da viagem impediu-me de ir à Digelius e outras lojas de música de Helsínquia fazendo com que trouxesse menos discos deslumbrantes deste país.
Mais uma vez fui representar a Associação Chili Com Carne ao Festival de BD de Helsínquia que decorreu no início de Setembro, durante as minhas férias de verão. Perguntam vocês o que me leva fazer férias para um país escandinavo chato?
Em primeiro lugar acompanho a cena da BD da Finlândia desde 2004, a sua evolução artística e mercantil, por isso tenho todo o interesse ir lá despachar livros que se vendem mais facilmente do que em Portugal (inclusive até os que estão escritos em português!) e voltar a ver caras conhecidas, finlandesas e de outras nacionalidades - o festival tem muitos convidados estrangeiros. Segundo, não considero a Finlândia um país chato. Desde a primeira vez que estive lá aconteceram-me peripécias impensáveis – algumas registadas numa BD de Jarno Latva-Nikkola – o que mata os mitos e preconceitos que se têm dos nórdicos. Algumas histórias de tão absurdas que estão mais próximas do imaginário latino ou dos Balcãs… Não tendo bem a certeza do que afirmo para justificar alguma loucura que por lá impera, diria que a Finlândia é a “pobretanas” da rica zona escandinava. Só que a Noruega tem petróleo, a Suécia os ABBA e a Finlândia só sauna, alces e gelo! Foi o sucesso da Nokia que fez subir a Finlândia ao estatuto de país rico mas mesmo assim a julgar pelos preços das cervejas comparando com a vizinha Suécia, por exemplo, continua a ser o país mais barato daquelas zonas...
E nada melhor que ser “pobrezinho” para ser-se humilde e não ter peneiras. Basta ver o tal Festival de BD, por exemplo, é de facto um evento de grande dimensão mas que não tem um orçamento gigantesco como outros festivais na Europa, como o “nosso” vergonhoso Festival de BD da Amadora ou o supra-sumo dos festivais, o de Angoulême (França). O espaço principal é uma grande tenda no centro da capital onde se encontram as mesas das editoras para venderem as suas edições ao público. Como disse há convidados especiais e estrangeiros, alguns com viagens pagas outros com dormidas pagas, dependendo se os autores tem custos suportados por editoras comerciais ou se os artistas tem alguma exposição patente organizada pelo Festival. Outros convidados – como era o meu caso – são metidos em casas de particulares de pessoas que se voluntariaram em receber os convidados nas suas habitações. No fundo, serve para dizer que se não há dinheiro para hotéis não é por isso que os estrangeiros não deverão deixar de vir a um festival de BD possibilitando sinergias e parcerias para promover a BD finlandesa.
Normalmente os convidados devem ficar em casa de artistas, que cinicamente significa “estamos em casa” pois vamos encontrar os mesmos livros, discos, objectos, cartazes, serigrafias e arte na parede… Mas também podem aparecer outras situações como as casas de leitores! Foi o que me aconteceu desta vez. Fiquei na casa de um casal super-simpático de classe média. O tipo deu-me um CD da sua banda, os Monolith Resistor, intitulado Exit Autumn (auto-edição, 2010?) que é um revivalismo de Acid House, tipo de música que não me aquece nem me arrefece, para além de ser uma grande seca a maior parte das vezes. A cena Rave e Acid já teve os seus dias quando significava nomadismo, liberdade, confrontos com os porcos da bófia e claro, muita muita muita droga na cabeça. Passados 20 e tal anos este projecto parece apenas um gesto anacrónico, não só pela música poder ser considerada “retro” mas precisamente porque se volta apenas à sua forma superficial, um mimetismo puramente centrado no som sem que haja uma envolvência na cultura e acção que lhe estão (estavam?) inatas. Neste caso temos “música de informáticos” e não é preciso fazer 4h30 de viagem para apanhar com isto, basta ir aos discos funcionais das “nossas” Thisco ou Marvellous Tone para termos algo idêntico, para não dizer melhor. Avanti!
E realmente para se avançar é preciso recuar qualquer coisa… Temos de ir parar ao Fricara Pacchu, do qual apanhei numa mesa do Festival de BD um single já velho (passe a redundância) intitulado de Stories of the Old (Fonal; 2007). É anterior ao álbum Midnight Pyre e é composto por três temas de neo-psicadelismo que foge aos velhos rocks dos 60s, ao Techno dos anos 90 e às novas fornadas folktrónicas e outras “friqualhadas” dos últimos anos. Os temas são quase indescritíveis na sua mescla de guitarras espremidas, de vez em quando acompanhadas por batidas motorika ou Hip Hop. Temos aqui um ambiente de trip em sintonia com este nosso mundo industrial cheio de referências Pop, plástico, desperdício e cores berrantes. Não é uma má trip nem estamos perante ambientes negros e opressivos de malta Dark, a embriaguez é positiva que até lembra alguns momentos de Pure Guava dos Ween ou as mamadices dos Butthole Surfers. O single é acompanhado por um livro que compila trabalhos gráficos do autor / músico, onde encontramos um denominador comum da psicadelia finlandesa – em que o jornal de BD Kuti será o seu órgão de comunicação mais oficial e acessível – ou seja, temos colagens, fotografias encontradas (bastante bizarras! e não no sentido clássico de “sexo & morte!), desenhos rabiscados em marcadores de cor, tudo numa orgia sensorial que “bate” bem com a música. Como o autor de BD Tommi Musturi me confidenciou: «o Kevin [o Fricara Pacchu] é uma pessoa muito especial». Eu subscrevo!
Depois do fim-de-semana “bedéfilo” em Helsínquia fui para Tampere, a segunda maior cidade da Finlândia mas como qualquer cidade finlandesa, é quase minúscula para chamarmos de cidade... É conhecida pela cena Punk e lojas de segunda mão – ou “feiras da ladra” como eles lhe chamam. No entanto estas “ladras” são na realidade espaços enormes, onde as pessoas podem alugar uma mesa / estante para vender a sua tralha. Tudo está etiquetado e no final paga-se numa caixa comum. Não é uma Feira da Ladra como a de Lisboa, Vandoma (Porto) ou os “Rastros” de Espanha, em que estamos ao ar livre a confrontar as pessoas que comercializam as suas bodegas. Para aqueles lados, como se pode bem imaginar, com o frio, vento, chuva e gelo a apanhar a maior parte do ano, tal prática seria inviável – ou então os finlandeses, bons nórdicos que são, não tem coragem de estar a regatear com outras pessoas preços...
Considero estas lojas como outro exemplo de humildade finlandesa, no final de contas não é preciso, neste mundo de super-abudância, gastar muito dinheiro para se ter roupa, cultura ou acessórios – para quê comprar tudo novinho em folha? Lojas em segunda mão e/ou feiras da ladra são habituais pelo país inteiro, no caso de Tampere é um exagero, há por todo o lado! No centro há umas sete, nos limites da cidade existem outras três gigantescas – pelo o que me foi dito. Fui a quatro no centro e já estava farto de ver tanto lixo da nossa sociedade do consumo…Por gozo “vintage” comprei um disco a 1,5 euros do Coro masculino da Estónia, Meeksoorid (Мелодия / Melodia; 1969?), que canta em estónio (parecido com o Suomi) e o disco foi editado nos tempos da URSS, o que significa que provavelmente o coro deve cantar sobre o fantástico novo homem soviético, o proletário iluminado ou algo assim – não creio que será religioso afinal este LP vêm desses curtos e bons tempos da Humanidade em que o Cristianismo foi proibido!!! É o tipo de disco que deve ter influenciado Type O Negative a gravarem com o seu “Bensonhoist Lesbian Choir”, hehehe…
Voltando ao Punk e afins, quem quiser ouvir esse som ao vivo tem de ir ao Clube Vastavirta, onde numa quarta-feira à noite, por três euros (!) deu para ver três bandas (de Metal, na realidade), sendo a que mais curti foi The Reality Show, power-trio bem coordenado que cada música tocada por eles parecia uma estalada na cara. Vi algures num sítio na ‘net a catalogá-los de Fastcore. Não sei de tanto sobre sub-géneros no Hardcore e nem me interessa mas se existe essa caixa, os Reality Show são bem capazes de caberem nela, pois é Hardcore bem rápido e cheio de riffagem Metal da antiga. Por isso adquiri o EP 7” de estreia A Candle in Hell (Eternal Now Records + Raakanaama + Psychedelica Records; 2011) que é uma descarga eléctrica que deve aquecer os finlandeses no Inverno…
Talvez seja pela estação do frio que desde o final dos anos 70 que o Punk e Hardcore finlandês surgiu com tal agressividade que teve uma influência monstruosa a nível nacional e global. É seminal o género de som que os Terveet Kädet começaram a fazer por aquelas bandas chegando a influenciar bandas como Ratos de Porão, por exemplo…Para completar o ramalhete de Punkcore finlandês actual, o Tommi Musturi ofereceu-me outro EP 7”. Desta vez dos Haistelijat, intitulado Pakkomielle (Nuuhkaja + Joteskii Groteskii; 2012) onde apresentam 10 temas que raramente passam de um minuto de duração. É outro power trio que ultrapassa Mudhoney e Discharge em rapidez Rock’n’Roll com letras cuspidas na língua materna - que a dada altura soa a desenhos animados sei lá porquê. Lembra os Zeke...
Algures percebi que havia uma música dedicada ao artista e autor de BD Kalervo Palsa (1947-1987) - aliás, a capa lembra o tipo... Musturi traduziu-me a letra dessa música e acho que diz algo do tipo «K. Palsa encontra-se morto ali, ali onde é a fronteira»… Inaugura-se um novo estilo? O Haiku Punk?
Kiitos Tommi & Tiina
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário