quarta-feira, 2 de abril de 2014

Robocopo III



Por acaso tem havido ultimamente uma revisão da história belga do Pop / Rock e a chegar-se à conclusão que havia muita electrónica por aquele país. Os Front 242 já são velhinhos, começaram em 1981, mas ainda hoje se consegue ouvir a sua discografia sem parecer anacrónica ou desactualizada - aliás, como poderia se no século XXI tudo é "re-actualizado"?

Se nos primeiros registos a banda ainda soa bastante a Kraftwerk mas com um sentimento mais Dark, pouco a pouco, eles próprios irão cunhar o termo "electronic body music" (EBM) para justificar esta música que não pretendia ser um "computer love" dos alemães mas algo mais orgánico, homo-erótico e militar - o que sempre lhe deu para receber extrema direita como público. É curioso que a extrema-direita nunca percebeu o fundo homossexual dos fascistas mas sempre podemos pensar que é a nossa derradeira vingança, quando um neo-nazi é violado pelo seu colega-de-armas, não? Foram-te ao cu porque és ignorante, meu facho de merda!

Claro que a banda queria alertar justamente para o contrário e talvez Front by Front (Red Rhino Europe; 1988) lembra que Hakim Bey afirmou que vivemos "uma cultura do chui" - ler um dos capítulos do livro Zona Autónoma Temporária (Frenesi; 2000). Ou seja, mais que um Big Brother, a cultura da TV e do Cinema adoptou a figura do bófia como a personagem principal, justamente para nos doutrinar. A ideia é que passamos a pensar que os bófias são pessoas como todos nós - alguns bons, outros maus, com problemas e falhas como tu e eu. O que é uma aberração porque estes "seres humanos" optaram por serem cães de guarda do sistema, pessoas com autoridade, poder e com licença para matar. Mas voltando ao disco, temas como Circling Overland ou Headhunter (foi um "hit" na altura) tem essa mesma ressonância de vigilância e perseguição, uma adrenalina de quem detem poder. Ora, esse poder cega-nos e é hiper-energético para a pista de dança, algo robótico mas com uma pulsão humana, como o Robocop. É música para mexer-mos com um robot em pane mas com capacidade para improvisar passos de dança cibernéticos inesperados.

O futuro era pessimista em 1988, mal sabia-se que o Muro de Berlim iria cair no ano seguinte e que o capitalismo iria vencer o código binário que se vivia. No entanto outro código binário iria reger a banda em 1993 quando lançam 06:21:03:11 Up Evil (RRE / PIAS) seguido de outro CD irmão (será antes irmã pela quantidade vozes femininas?) mas que prefiro nem falar de tão diferente que é da carreira dos F242 (realmente, vozes femininas em F242 é estranho). Sobre "Up Evil" falo eu bem até porque foi o disco que me iniciou à banda - soa a paneleiro isto! O inimigo já não são os comunas mas o mundo árabe, patente com os acontecimentos como a primeira guerra do Golfo e os genocídios na ex-Jugoslávia. Não é à toa que a estação de propaganda norte-americana Radio Free Europe / Radio Liberty se tenha virado para os países muçulmanos depois do fim do comunismo. Por isso que o Diabo anda sempre à espreita neste(s) álbum(ns) a começar pelos títulos e capas. Este que vos escrevo é o álbum mais físico da carreira dos F242, ao mesmo tempo que a sua componente dançante tem maneirismos da grande festa Techno. Estamos nos "90s", o Diabo que fez-nos mexer as ancas já se expandiu por todo o espectro musical. '93 é pós-Industrial (o Rock Industrial só espera por Nine Inch Nails para entrar no Top 10) e é pós-Rave, a alma já se vendeu à máquina e a tecnologia inunda o disco com uma quantidade maníaca de sinais electrónicos que fazem mantas de texturas sonoras inacreditáveis. A produção é ruídosa como era muita do género dessa altura - Ministry ou Skinny Puppy, com as suas devidas distâncias. Este disco é um monstro imoral que até o seu tema mais forte chama-se Religion! A banda passado 10 anos deve ter deixado algumas máquinas pesadas e anacrónicas para trás e metido-se em "softwares" novos, não se deixando dormir para uma concorrência lixada da altura como The Orb ou The Prodigy.

Só 10 anos depois de Up Evil é que aparece um novo álbum de originais, Pulse (XII Bis), que mostra que a banda não estava morta, muito antes pelo contrário, estava melhor do que nunca - e passam-se mais 10 anos sem que este disco seja batido. Geralmente queixo-me dos discos que ultrapassem os 60 minutos de música não é o caso deste que começa com uma festa Techno e vai subindo e descendo em ambientes e humores. Os melhores são mesmo os maus-humores, as músicas da depressão cheias de dramatismo de telenovela "teen" - na realidade uma pessoa nunca cresce. Os F242 aproveitam o "state of the art" atingido pela tecnologia e pelos próprios para encher o disco de Glitches e texturas sintéticas fazendo dele um caleidoscópio "emo-digital", obrigatório para quem gosta de electrónica, quer venera ou não antigos heróis e pioneiros. E realmente, a única coisa negativa desta banda a apontar é que deve ter sido a que infelizmente mais influenciou TOCs a fazerem música...

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