número zero, capa desenhada por Pedro Brito menos as "letras" que foi Marcos Farrajota |
Foi neste dia em 1992 que eu e o Pedro Brito, com 19 e 17 anos respectivamente, "lançamos" o fanzine Mesinha de Cabeceira para entrar à pala no Festival de BD da Amadora. Este não era o principal motivo de termos junto umas 20 e tal páginas com montes de colaboradores mas foi uma oportunidade. Se fizéssemos com aquela data na cabeça, conseguiríamos entrar no festival porque podíamos reclamar à entrada que íamos deixar a nossa publicação num stand para os vender. Acho que era assim... Foi em 1992 que o Festival da Amadora passou prá Fábrica da Cultura e prometia - e conseguiu - tornar-se no evento mais importante de BD em Portugal. O maior não quer dizer o melhor, e rapidamente deu para perceber a dada altura que a BD não interessava aquela gente mas sim o evento em si. Num concelho onde não há nada a nível cultural - este "nada" pode significar apenas "mediático" porque se calhar há sempre uma banda Rock numa cave a tocar ou algo do tipo - o que vale é manter a engrenagem a andar sem pensar ou ter cuidado com artistas, Arte e BD.
E saiu o número "zero", estranha lógica de "teste de mercado" que corrigimos assim que pudemos com o duplo 2/3.
O principal motivo - vá vamos ao que interessa - era fazer o melhor fanzine do burgo. Eu (de Cascais) e o Pedro (do Barreiro) conhecemo-nos em Lisboa, no Clube Português de BD, que nessa altura já não fazia nada a não ser, ser um espaço de encontro de colecionadores velhos de BD, aos Sábados à tarde num espaço de uma freiras ou lá o que era - o que fazia os velhos da BD esconderem muito bem algumas das suas publicações. Ali, os jovens ficavam à toa, embora o simpático Geraldes Lino tentasse levantar os ânimos. E foi lá que nos conhecemos todos: eu, Pedro, João Fazenda (com 13 anos), Ricardo Blanco, Arlindo e Jorge (d'O Moscardo, o único zine de crítica à BD até hoje!!!), Arlindo Yip Sou, Miguel Falcato (creio) e mais uns quantos - entre eles muito à distância porque perceberam que aquilo não era para eles, o Bruno Borges e o Nuno Neves (do Serrote) que fizeram os excelentes graphzines Crash e Speed Comics, e que muitos anos mais tarde iria reencontrar noutras situações. Mais tarde seria a Tertúlia Shock do Estrompa o local e dia da semana (Quinta-Feiras) de eleição prá malta jovem e rebelde.
O Mesinha era para ser também o nosso espaço de trabalho. Eu não me sentia bem com o desenho e o Pedro com a escrita. Fizemos parceria, eu escrevia e ele desenhava, histórias cheia de sexo violência, efeito dos anos 90. Mais tarde eu comecei a desenhar e o Pedro a escrever as duas histórias. Para além disso percebíamos que o ambiente da BD era morto. Não havia a energia que víamos nas outras Artes, sobretudo na música Punk e Industrial que descobríamos nessa altura todos babados em headbanging violento, sendo o nosso grande ponto de encontro os Ministry.
Daí que colagem (convenhamos os computadores "ainda estavam a começar"), poesia, desenho e entrevistas a bandas faziam todo o sentido no meio de BDs parvas. Por isso a distribuição passava por lojas de discos como a Torpedo invés de livrarias, ou seja, onde estava a canalha punk e metaleira.
Também acreditávamos estupidamente na falta de "heróis" (ou anti-heróis) ou séries na BD portuguesa e que a sua criação deveria ser a salvação prá coisa. Erro crasso da juventude embora daqui o grande sobrevivente tenha sido o Loverboy que deu em três (+ um) livros. Já agora, um reparo, depois de fazermos o zine começamos a perceber que havia outros fanzines com atitude e cheios de vida mesmo que fossem de "bêdê" como A Mosca (de onde saiu o Janus!), G.A.S.P. de Diniz Conefrey & cia, ou mesmo o Hips! de Nuno Saraiva e Jorge Mateus, Psicóse Infantil e O Búlgaro.
Depois, o natural, cada um para o seu lado. O Pedro fundou a Polvo e saiu de lá aldrabado. Eu criei com os amigos a Chili Com Carne e depois a MMMNNNRRRG - que muitas vezes e até agora editaram vários números do zine. O Mesinha serviu de "estágio profissional" para o saber-fazer da edição. Aliás, outra consequência do MdC foi a colecção Mercantologia onde já recuperei material desde bons velhotes dos anos 70 às melhores autoras do momento (Amanda Baeza e Mariana Pita) já para não falar de BDs de gatos melomanos...
Que dizer mais? Sempre foi uma publicação mutante, até à saída do Pedro sempre assumimos que tinha de mudar de número para número. Com temas em cada número, esquemas editoriais até radicais como censurar um número como se fossemos uns cavacos. Continuei sozinho mantendo um estilo até o quebrar com o número 9 em que dei um maior passo em relação à exploração da BD autobiográfica e que durou ainda alguns números. Depois mais mudanças, no número treze comemora-se 5 anos de existência com o primeiro monográfico, o 88 de Nunsky, autor fora do vulgar que ainda esta semana teve o monstruoso Companheiros da Penumbra editado. O artista Mike Diana proibido de desenhar também teve direito a um monográfico. Antes a Isabel Carvalho que ganhou um concurso onde incluía não só guita mas edição de um livro, neste caso o Allen - por isso, foi foleiro ela dizer anos mais tarde que não fazia mais BD porque nunca tinha ganho dinheiro com esta Arte, aliás, ela foi das poucas que ganhou dinheiro num meio super-precário, mais do que os seus colegas masculinos, cheira-me que para continuar com a "arte contemporânea" tinha de dar este golpezinho.
Em 2002 o André Lemos é quem comemora os dez anos com um graphzine em serigrafia, abrindo caminho para muita réplica mais tarde. Vinte anos em 2012 é solidificado num dos objectos editoriais mais fixes em Portugal, o número 23 (coincidência deste número cabalístico que o Pedro sempre me avisou!) com montes de malta. Regressei à autobiografia em alguns números a seguir. O Nunsky também.
Até que no ano passado decidi recuperar o Mesinha no seu sistema mais básico enquanto "true zine", ou seja, fotocópia (agora é a lazer tudo), 100 exemplares e com malta (+ ou -) nova a bombar loucura gráfico-narrativa. Tem sido fantástico ver e publicar "sangue novo" como o André Ferreira, Alexandra Saldanha (louca louca louca), Marco Gomes, Matilde Basto, Luis Barreto, 40 Ladrões e brevemente o R. Paião Oliveira. Mais virão espero...
Numa cena que só não foi reacionária e anacrónica nos anos noventa até 2005 - com a Lx Comics, Quadrado, Salão do Porto, Ai-Ai e Bedeteca de Lisboa - sinto algum orgulho em poder mostrar trabalhos que fogem à "bedófilia" e ao zombismo-papa-merda tal como em 1992 em que olhava à minha volta e havia tudo para fazer e tudo para destruir. O problema é que antes a "Merdibérica" era apenas incompetente, nos dias de hoje os "bedófilos" são mais espertinhos e mais hipócritas, sabem vender os seus subprodutos de forma mais convincente. A qualidade da crítica piorou e a desinformação aumentou, por mais estranho que isso possa parecer no mundo da 'net. Se calhar a próxima vida do Mesinha devia ser mais Fanzine e menos Zine, quem sabe?
Capa do próximo MdC (#37) por R. Paião Oliveira |
PS - 30 anos merecia uma festa mas o Universo é cruel, para me punir da entrada à pala da Porcalhota, trinta anos depois, estando lá este ano no stand a Chili Com Carne a oferecer um pouco de civilização ao seu público, eis-me agarrado aos horários deles e sem capacidades para organizar uma festa com bandas e o catano. Desculpem meus amigos, olha mas podem organizar uma se quiserem hoje à noite, não se esqueçam de me convidar, hein!?
PPS - Seria estranho não agradecer a alguém com 30 anos em cima. Ficam aqui alguns nomes: Pedro Brito, Arlindo Horta, Miguel Falcato, Nunsky, Pedro Nora, Joaquim Pedro, João Maio Pinto, Pepedelrey, Joana Pires, Marco Gomes, Matilde Basto e todos os autores que participaram nestes 37 números do MdC. Da parte "mercantilista": Ruru Comix, Kus!, O Panda Gordo, A Batalha, Ediciones Valientes e Yuzin.
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