quinta-feira, 15 de julho de 2021

É só vaidade (II) @ Estalo, Guimarães, 3 a 12 de Junho

Porque raios só os ricos e os famosos podem fazer lavagem de dinheiro e tráfico de influências criando as suas Fundações que rumam ao desconhecido? 

A Fundação Farrajota veio reivindicar que até os pobretanas tem direito a tal figura de entidade colectiva. Mas que faz esta Fundação? Materializa a memória do clã, recuperando arte e objectos editoriais para espaços públicos, minando a tirania da história e dos seus tristes vencedores. Em breve também editará livros de memórias criando um verdadeiro catálogo de mitomania e de desespero existencial.


Criada em 2004 para uma exposição de Arte no evento “underground” Crime Creme Doméstico, desde então pela sua sede, já passaram esposas de social-democratas, estrelas do Trap, suecos clinicamente reconhecidos como doentes mentais, anarquistas da academia, lutadoras anti-racistas como ainda industrialitas celibatários. Neste improvável “melting-pot” de pessoas criou-se uma forte rede de “contactos” que resultou finalmente numa acção oficial no inútil festival Fólio em Óbidos, em 2019, com a mostra bibliográfica “É Só Vaidade”. 


E agora, tentacularmente, ela repete a fórmula para o festival Estalo em Guimarães.





É Só Vaidade


É uma mostra bibliográfica constituída por fanzines e outras edições independentes do acervo da Fundação Farrajota. É a sua segunda vida e tem o mesmo título porque os tecnocratas não têm imaginação.


Os zines são artesanato urbano da Era da Informação, publicações amadoras em marginalidade, galerias nómadas de Arte e recipientes de Cultura precária. Localizáveis desde os anos 30, sofreram mutações até aos dias de hoje de tal forma que continuam a provocar dores de cabeças a todos os que gostam de catalogações. 


Estão expostas aqui, uma série de publicações a provarem a sua riqueza de temas e formatos, embora a selecção desta mostra incida-se sobretudo na Banda Desenhada portuguesa, Arte constantemente mal-tratada mesmo pelas instituições públicas que a promovem, de tal forma que a FF sentiu um chamamento para esta batalha contra a ignorância!


Em Portugal, os fanzines de BD aparecem nos anos 70, muitas vezes sem o vocábulo correcto, espalhando-se em denominações como “jornal” ou “revista”. Eram geralmente criadas por colectivos de colecionadores ou em contextos escolares mas a vontade era óbvia: sair do espartilho da censura ou, depois do 25 de Abril, curtir a liberdade da Democracia.


Com o evento da cultura digital, o zine foi-se transformando, embora muitas vezes as suas características antigas reapareçam em novos formatos. É impossível não sentir um antagonismo de conceitos entre as publicações das origens até aos anos 90 e as do novo milénio. Até ao advento hegemónico do Digital, sobretudo com a omnipresença das redes sociais a tomarem conta da Internet, os zines eram produzidos por colectivos (A Vaca que veio do Espaço), a informação e crítica eram imperativos (Aleph, O Moscardo), havia uma continuidade do título com uma numeração, mesmo quando esta era muitas vezes subvertida, e usava-se a fotocopiadora do trabalho (à socapa) ou do centro de cópias para a sua reprodução. 


No mundo da cultura digital, a produção torna-se individualizada, personalizada, mais artística, sendo muitas vezes cada objecto quase único, já para não dizer que se ignora a numeração, afinal cada título é um monográfico, seguindo a lógica de um livro - ou de uma plaquete ou de livro de autor ou de artista. As tiragens baixaram porque a impressão pode ser feita na impressora caseira ou como aconteceu na última década à base da risografia. Esta última traz o calor das cores num bonito paradoxo do defeito do trabalho manual com o brilho açucarado dos ecrãs. Apesar dessa liberdade da impressão caseira, serão poucos os exemplos que a aproveitam para exagerar ou diminuir os formatos convencionais do habitual A4 (ou dobrado dando um A5), aliás, nos anos 90, o A5 torna-se regra para quem faz fanzines - o que significa na maior parte das vezes apenas uma coisa, que edita são putos que não tem muito dinheiro.


Se o fim do zine colectivo possa significar um confinamento social das sociedades ocidentais, em compensação cada “monográfico” é um portfólio do artista, o manifesto das suas potenciais qualidades e uma cereja no topo para os leitores ousados. Apesar de ser mais fácil seduzirmo-nos por uma publicação a solo do que encontrar o artista que gostamos no meio de dezenas de páginas de uma antologia, tornou-se também mais complicado encontrar as publicações se não estas tiverem boa exposição em eventos especializados.


O digital roubou a reflexão em favor da reacção, daí que nas várias mesas da exposição queremos relembrar o sentido de missão da divulgação dessas publicações (Nemo, Cadernos da Banda Desenhada), a irreverência da experimentação (Sim/ Não), o uso de materiais pouco convencionais (106u, Sub, Succedâneo) e o uso de uma escatologia sem pudor que parece ter sido entretanto saneada nos zines, talvez porque se observa que na cultura vigente até o putedo literário actual sabe que não será multado ou preso por usar palavrões em obras literárias, “O amor é fodido”, pá! 


A quantidade de títulos com associação a “vómito” aqui presentes estão realmente balizados nos fins do século XX e no início do novo. Depois, como todos sabem, a ‘net foi inventada para vermos vídeos giríssimos de gatos, a quantidade de títulos a piscar aos amantes dos felinos rivalizam os de escatologia.


Pelo meio encontrarão objectos sobre este preciso ponto onde se encontram! A cidade de Guimarães (Garagem, Ancient Prophecy), o festival Estalo, os seus artistas convidados (André Coelho, Edgar Pêra e a Oficina Arara) e os participantes do mercado Necromancia Editorial - neste último caso, fomos às suas pré-histórias como o fanzine Zundap que deu na Imprensa Canalha ou o Clube do Inferno que agora é o Massacre. 


Estando previsto um novo número do zine Mesinha de Cabeceira, há uma mesa dedicada a esta publicação existente desde 1992, co-fundada por Marcos Farrajota e Pedro Brito. O número 30 publica uma BD da vimaranense Alexandra Saldanha, mais conhecida pela banda Unsafe Space Garden. Sim, é só vaidade…








Mesa dedicada a Guimarães e ao Estalo

Garagem #1 (Garagem, 2000), v/a

nota: revista de música que edita o primeiro disco de drum’n.bass português, de Phastmike.

- Ancient Prophecy #1 (Paulo Ribeiro; Out’96), v/a

nota: fanzine de Metal cristão

- Acto #9 (ACT; 2009), v/a

- Buraco #4 (Arara; 2012), v/a

nota: número dedicado à (des)ocupação da Es.Col.A

Mundos em Segunda Mão, vol. 2 (MMMNNNRRRG; 2015), Aleksandar Zograf

nota: “cine comics” na contracapa de Edgar Pêra

- SWR Barroselas Metalfest 18 Sticker Booklet (SWR; 2016), André Coelho

Ao Coração das Trevas (Ao Norte; 2018), André Coelho


Mesa dedicado às “pré-histórias” dos editores do Necromancia Editorial

- Estou Careca e a minha cadela vai morrer (Marco Mendes & Miguel Carneiro; Jun’05), v/a

Satélite Internacional #4/5 Sputnik (col. A Língua; Jun’05), v/a

- Tierra de Nadie (2015), Rodolfo Mariano

Surto #2 (Sarna; Jun’19), v/a

Radiation 2 (Clube do Inferno; 2014), Mao

Freak Scene #1 (Clube do Inferno; 2014), André Pereira

Zundap #11[#6?] (José Feitor; 2003?), v/a

nota: este fanzine era numerado aleatoriamente para confundir os colecionadores, yes!

Jungle Comix #1 (Rudolfo Comix; 2009), Rudolfo da Silva


Mesinha de Cabeceira 

#0 (Fc Kómix; Out’92), v/a, capa: Pedro Brito

#5 + Meseira de Cabecinha #1 (Fc Kómix; Ago’94), v/a, capas: Pedro Brito

#10 (Fc Kómix + Chili Com Carne; Nov’96), v/a, capa: Marcos Farrajota

#13 (Chili Com Carne; Out’97), “88” de Nunsky

#16 (MMMNNNRRRG; Out’02), “Super Fight II” de André Lemos

#23 (Chili Com Carne; Out’12), v/a 

nota: páginas expostas de Uganda Lebre

#29 (Chili Com Carne; Abr’21), “A Fábrica de Erisicton” de André Ferreira


Mesa de BD anos 70 a 90

O Máximo #2 (Edições Dada; Dez’75?), v/a 

nota: páginas expostas de Isabel Lobinho

O Estripador #0 (Delfim Miranda; Jan’75), v/a, capa: Fernando Relvas

Evaristo #2 (António Pereira; Mar’75), v/A, capa: Vicente Barão

Grafpopzine (Mai’88), Alice Geirinhas e João Fonte Santa

Psicose Infantil (Illegal Comix; 1991), v/a, capa: Fernando Gonçalves (?)

Pintor & meio #2 (Rodrigo Miragaia; Abr’91), v/a, capa: Rodrigo Miragaia



Mesa de BD deste milénio

-  Galante e a Mulher-Mistério, Fotonovela nº1 (Pôe-te Fino Edições Caseiras; 2011), Bruna e Carol Carvalho

Não me contes o fim!! Eles.. morrem todos. (Senhorio; 2006), Nuno de Sousa e Carlos Pinheiro

There are only seven stories in the world (O Panda Gordo; 2013), v/a

Lençóis Felizes (Happy Sunflowers Books; 2013), Van Ayres

Noberto à chuva + Noberto nas montanhas (La Pie qui Aime eles livres; 2014), Margarida Esteves

- [sem título] (2011), Lucas Almeida

BD PZL (2018), Mariana Pita

nota: BD baseada no jogo picross ou nonogram

Durty Kat #10 (Ana Ribeiro; 2018), v/a

O Gato Mariano não fez listas em 2017 (2017), Tiago da Bernarda

Cvthvus #2 (Jun’13), Chaz the cat e Gonçalo Duarte



Mesa dos Formatos e Materiais

-  Bioedificio 421 (Lök, Itália; 2012), v/a

Bactéria #10 (Francisco Vidal; 2001?), v/a, capa: Francisco Vidal

nota: capa em serigrafia com biscoito de cão em formato de osso (moído entretanto!)

Ganmse (1986), Rigo 23

Sub #8 (Pitchu; Out’99), v/a

Mix Tape (Dinamarca, 2008), Allan Haverholm

106 u #5 (Eric Bräun, Canadá; 1998?), v/a

Succedâneo #-20 (João Bragança; Jan’01), v/a

Sim / Não (1998), Geral & Derradé

nota: duas BDs que se vão concluir na página central deste “split”

Joe Índio especial Off (A Vaca Que Veio do Espaço; 1994), v/a

Chicken’s Bloody Rice #0 (Other’s Thinking Productions; Jun’03), v/a

nota: era acompanhado por um saco de plástico que continha uma perna de galinha, arroz e água colorada de vermelho, reza a lenda, que a putrefação dos materiais fez um colecionador vomitar

Pecarritchitchi #2 (Abr’04), João Bragança

nota: deverá ser o zine mais pequeno de sempre, o número anterior tinha o tamanho de um selo



Mesa da escatologia

Cona da Mão #1 (Gonçalo Pena; 1998?), v/a, capa: Gonçalo Pena

Vermental #0 (André Silva; 1995), v/a

Vómito #1 (1997?), v/a

Vomir #1 (1999), Nuno Pereira

L’Horreur est Humaine #4 (Sylvan Gérand, França; Jan’02), v/a, capa: Fredox

Puke Junk & Hit the fan (EUA; 1997), Fly

Esperma Sangrento #1 (199_?), Janus

Herpes Labial #1 (Produções de Marda; Out’97), v/a

Besta Quadrada #1 (João Fonte Santa; 1993), v/a

Besta Quadrada #3 (André Catarino & Tiago Baptista; 2008), v/a

nota: coisas que acontecem, títulos que se repetem sem os editores conhecerem o precedente, curiosamente quer Santa quer Baptista são pintores e actualmente moram a poucos mais de 5 minutos um do outro. Recentemente aconteceu algo idêntico com o “Olho do Cu”, dois editores separados por 10 anos mas ambos moradores da mesma região, em Abrantes.



Mesa dos Fanzines de crítica e Meta 

- Aleph #2 (José Morais C. de Faria; Mar’74), v/a

nota: número em que se dá uma virada maoísta no colectivo, conforme a moda da altura

Cadernos da Banda Desenhada #2 (Catarina Labey; Mar’97), especial Jayme Cortez

Nemo #26 (2ª série, Manuel Caldas; Jun’97), v/a

O Moscardo #1 (Jun’90), Arlindo & Jorge Guimarães

nota: talvez o único fanzine de crítica de BD em Portugal, sobreviveu diatribes, dois números e um suplemento

Expofanzines 2001 (Colectivo Phanzynex, Galiza; Jul’01), catálogo

Fan Catalog (CM de Almada; 2008), catálogo

nota: além da entrada da publicação recebida nesta mostra também é mostrada as embalagens de como foram enviadas

My Precious Things #9 (Fc Kómix; Out’98?), v/a

nota: newsletter de críticas a edições independentes e catálogo da Distribuidora Esquilo GIGANTE.

- Portuguese Small Press Yearbook (Catarina Figueiredo Cardoso; 2018), v/a

nota: especial BD

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